Maluf e o saleiro

Eu defendo a proibição capixaba do saleiro à mesa dos restaurantes. Supondo que sal realmente faz mal à saúde, meu argumento é:
  • Como a demanda por sal é muito inelástica, uma taxa pigouviana não reduziria o consumo. Logo, um nudge, um empurrãozinho é recomendável. Quem realmente quiser mais sal, deve apenas pagar o imenso custo de dizer :"Seu garçom, por favor, o saleiro".
Os contra-argumentos seriam:
1) "Não funcionará porque as pessoas andarão com sal na carteira, ou aumentarão o consumo de coisa pior."
2) "Se hoje o governo se proíbe o sal, amanhã vão nos obrigar a comer whey com espinafre. Como traçar a fronteira?!"
São, na verdade, os contra-argumentos conhecidos: a) não vai adiantar; b) o efeito será contrário ao desejado; c) outras liberdades serão ameaçadas (Hirschman ®) .
O ponto 1 é empírico. Ele se baseia na ideia de que o efeito Peltzman anularia completamente qualquer intervenção. Pode ser.
 O ponto 2 é um pouco mais complicado. Antes de tudo, nem toda externalidade deve ser corrigida. Primeiro, seria desejável aplicar a troca coaseana. Se não for possível, é preciso considerar as falhas de Estado. A competência do Estado em identificar as externalidades e compensar os atingidos é bem limitada. Isso deveria ser levado em conta em qualquer análise.
Em suma, não há um limite definido para intervenção do estado. Cada caso tem que ser analisado de acordo com os benefícios e custos envolvidos. A vacinação obrigatória é um caso evidente de sucesso da intervenção estatal na saúde pública. Já colocar fiscais para obrigar todo mundo a caminhar 1 hora por dia seria bizarro. Em uma sociedade aberta, essas questão são decididas aos trancos e barrancos, com erros e acertos.
O que a história mostrou é que o meu querido Hayek errou na sua previsão. O welfare state não levou ao totalitarismo. As sociedades souberam combinar economias abertas, competitivas, com intervenções sensatas na saúde pública. (O google me ensinou que restrições à adição de sal são comuns na União Europeia.)
Para vocês verem como o tempo mudou, aí vai um vídeo antigo do "doutor" Maluf defendendo a restrição ao fumo e o uso do cinto de segurança. Vejam como os jornalistas moderninhos parecem dinossauros frente a um Maluf sensato:
Claro que em um país em que a maior parte da população não tem esgoto adequado, é campeão mundial de homicídios, protecionista, e políticas públicas horríveis parece (e é) um luxo bobo discutir o saleiro. Mas, ô diabos, esse é o assunto do dia.

19 comentários:

Arthur disse...

Me perguntaram o que eu achei do seu texto numa comunidade do facebook. Por preguiça de adaptar o texto pra cá vou só cola-lo:

"Eu gosto do Leo Monasterio, mas ele está enganado. Primeiro ele assume que o sal faz mal. Nutrição é uma ciência extremamente complexa, as incertezas sobre os efeitos de saúde dessa proibição são grandes, o que diminui muito a justificativa de uma intervenção.

Mas assumindo que sal faz mal a saúde, o Leo assume implicitamente que tem uma externalidade ai. Não tem. O consumidor do sal internaliza praticamente todo o custo do consumo, a parte que ele não internaliza é devido a saúde publica, da qual ele não pode opt out.

Outra coisa importante, concordo que analises de custo beneficio devem ser o padrão para julgar politicas publicas, mas as analises de custo beneficio feitas pelo pessoal de Public Health não incluem os benefícios do consumo. Eles em geral consideram os gastos de saúde com doenças causadas pelo consumo como custo, a perda de anos de vida como custo (o que é errado por que esse custo não é social) e ignoram que o consumo do bem traz prazer ao consumidor e é portanto um beneficio.

E sobre o slipery slope, a politica anti-fumo do Maluf é o maior exemplo disso. Começou como uma proibição razoável corrigir uma externalidade com muitíssima confirmação cientifica. Quem trabalhava em ambientes com fumo constante tinha mais problemas de saúde ligados a tabaco do que fumantes. E agora é uma bizarrice completamente irrazoável, você não pode fumar em parques, debaixo de toldos, vários tipos de áreas de fumantes são proibidas. Alem do que o imposto sobre o cigarro arrecada muito mais do que as externalidades causadas pelo cigarro, o marketing de cigarros é limitado, e tem fotos bizarras nos produtos de tabaco.

Na real em alguns casos fica obvio que o ponto nem é saúde publica, é diminuir o status dos fumantes. Por exemplo plain packaging que a teoria econômica diz que vai aumentar o consumo, evidencias empíricas dizem que vai aumentar o consumo, e ainda sim o pessoal quer passar."

Leo Monasterio disse...

Valeu pelos ótimos comentários . Respondo pelos parágrafos.
1- Sim. Eu deixei explicita que o argumento só se mantém se isso for verdadeiro.
2- Pelo mesmo princípio, vc é contra a obrigatoriedade do cinto de segurança? Afinal, o custo cai só sobre o motorista. O teu argumento é o do BROWNING, E. K. The Myth of Fiscal Externalities. Public Finance Review, v. 27 (1), p. 3 – 18. January 1999. Contudo, o fato é que o sistema público existe.
3- Ok. Mas, ora bolas, se o benefício do consumo do sal é tão pequeno que vc nem se dispõe a pedir para o garçom "o saleiro", é melhor desconsiderar, não?
4- Slippery slope? Como se as sociedades tem ficado menos opressivas quanto ao comportamento ao longo do tempo (vide maconha). ( O slippery slope do cigarro é muito específico. Os não fumantes ficaram muito mais sensíveis do que éramos. Agora, eu não aguento alguém fumando nem na praia e o cheiro me repugna bem mais do que no passado.)

Bons pontos foram levantados aqui:
http://cheaptalk.org/2013/09/12/consider-the-equilibrium-salt-shakers-at-restaurant-tables/

Leo Monasterio disse...

reescrevendo:

"4- Slippery slope? Como pode haver slippery slope se as sociedades tem ficado menos opressivas quanto ao comportamento ao longo do tempo (vide maconha)"

Anônimo disse...

Partindo dessa lógica (custo/benefício social), e se os gastos com previdência forem maior do que os gastos com saúde, o "empurrãozinho" teria que ser colocar 2 saleiros por mesa.

Odlir disse...

Léo, seus argumentos são bons, mas creio que o estado não deveria tentar corrigir todas as externalidades que vê pela frente.
Utilizando o mesmo raciocínio do saleiro, ao considerar que a gordura faz mal à saúde, o estado poderia proibir carnes gordurosas em um rodízio, e o cliente que quisesse a picanha com sua apetitosa capa de gordura, teria que pedir ao garçom...
Sei que bom senso não é fácil de quantificar, mas se não houver limites às intervenções estatais, a longo prazo poderemos estar em uma distopia à la Judge Dredd.

Arthur disse...

2. Pelo que eu entendo o uso do cinto de segurança reduz externalidades causadas pelo lançamento de corpos em acidentes. Mas acho que mesmo que não fosse o caso eu apoiaria. Mas basicamente pro que as evidencias de que isso é uma falha de racionalidade são muitíssimo mais fortes do que no caso do sal. Mas não é tão obvio quanto parece. As leis de capacete em bicicletas parecem fazer mais mal do que bem, por exemplo. E sim é o argumento do Browning

3. Isso é verdade nessa intervenção, mas você acha mais provável se a intervenção falhar em reduzir o consumo de sal a reação seja "Nossa, a gente subestimou o prazer causado pelo sal, parece que compensa os custos" ou "Precisamos de uma lei mais restritiva"?

4. A sociedade está ficando com maiores liberdades nos últimos anos. Mas isso não é uma lei histórica imutável. As politicas de drogas, de imigração entre outras eram muito mais liberais no Sec XIX. Mas meu ponto não é que isso vai levar ao fascismo. Acho que não é o cigarro que é exceção, é public health policy. Tem um movimento bem forte do pessoal de public health de mais regulamentação. Aumentar a Drinking Age na Nova Zelandia, não regularizar ou proibir cigarros eletrônicos, restrição a bebidas com alto teor de açúcar em NY, a proibição do sal na mesa no ES, estabelecimento de conteúdo máximo de gordura trans, tentativa de restrições a transgênicos. Acho que esse movimento vai levar a uma vida ligeiramente mais inconveniente, e custos ligeiramente maiores, especialmente para comida. As duas coisas vão afetar especialmente os mais pobres.

Arthur disse...

O texto do Cheap Talk é muito bom

Leo Monasterio disse...

2- Vc quer dizer que mantém o argumento do cinto de segurança pq a externalidade é que o corpo pode sair do carro e atingir outra pessoa??? Se for isso, eu acho forçado. Sobre a falha da racionalidade, aí é minha vez de perguntar: ok, onde vc traça a linha divisória? Sobre o argumento do Browning: dado que o SUS existe e nõa foi criado pela lei, não há porquê utilizá-lo
3- Não sei mesmo. (Cara, mas o ponto é que os custos são minúsculos, né?)
4- Ok. Eu acho que vc escolheu exemplos e misturou. O combate a transgênicos é coisa do pessoal (ignorante) de meio ambiente e não de saúde. No Br, a única restrição chata é a do foie gras, do pessoal de direito dos animais.

Leo Monasterio disse...

Sobre comida, ótimo texto:
http://t.co/xesFMoKCHc

Vou postar depois....

Anônimo disse...

É longe da minha especialidade, mas acho que já tá mais do que demonstrado em estudos médicos, psicológicos e etc que a gente tem um grande viés pró coisas cheias de gordura, doces, salgadas, com cafeína, etc, assim como somos condicionados pela publicidade, que nos fazem ter uma dieta menos saudável do que consideraríamos "ótimo" se pudêssemos ser estritamente "racionais".

Dito isso, acho que é absolutamente válido pra sociedade, democraticamente, criar mecanismos pra diminuir o viés, assim como criar mecanismos de publicidade "pro outro lado". O argumento aqui, creio, é muito mais "sociológico" que econômico, de no longo prazo transformar a dieta da população pra tornar ela mais saudável. Se não me engano, fizeram algo nesse sentido na Coréia do Sul, e deu bastante certo, aumentou consumo de verduras, frutas e etc [carece de fontes: preguiça de buscar links]. A primeira geração sofrendo as restrições deve arcar com algum custo razoável, a segunda um pouco menos, eventualmente a mudança na dieta estará incorporada. Aliás, a atual, e qualquer, dieta não é uma coisa espontânea de cada um, e sim construída de fora pra dentro.

Mas concordo que afeta os mais pobres, e nesse sentido esse último texto do Monastério é bem interessante. Investir na produção de comida saudável boa e barata, certamente, é a forma mais eficiente de enfrentar esses problemas. O problema é que a engenharia de alimentos hoje é focada em custos e em explorar nossos vieses, então isso envolveria também algum direcionamento social pra que a indústria alimentícia investisse mais na qualidade nutricional e menos em explorar nossas gordices.

Unknown disse...

1)A taxa pigouviana não precisa reduzir o consumo para ser eficiente. Ela precisa igualar o custo marginal individual à externalidade gerada, no caso o gasto extra com saúde. A não ser que você veja o consumo de sal como um problema em si, o que me parece muito estranho e um tanto autoritário.

2)Se a sua hipótese de inelasticidade está certa, e eu acho que está, o imposto ótimo não alteraria o consumo e nosso problema é de distribuição, não eficiência.

3)Já que estamos falando de distribuição, o comentário zombeteiro do primeiro anônimo me parece fazer sentido. Quem come sal morre mais rápido e ao recolher menos do que poderia pela previdência transfere recursos seus pra sociedade. Desse ponto de de vista, o ato dele é um sacrifício por todos nós!

4)Se os custos de saúde forem maiores do que os gastos economizados com previdência, então o certo é colocar imposto. Vai fazer o cara pagar a sociedade o custo do seu ato e não vai distorcer a economia. Além do que vai agir em TODO o consumo de sal, e não apenas no subconjunto sal comido no restaurante.

5)Imposto é muito mais fácil de fiscalizar que essa lei. Como o fiscal vai saber que o sachê tá na mesa porque o cliente (atual ou anterior) pediu e não porque o estabelecimento colocou?

Leo Monasterio disse...

1- Vc está certo. Eu, errado.
2- Sim
3- Essa é uma velha discussão sobre o fumo. Mas como doença do coração são uma das principais causas de mortes de homens entre 30 e 40 anos, vc estaria perdendo-os quando são mais produtivos.
4- Certo, mas a ideia do nudge é que com um custo ínfimo a redução do consumo de sal seria atingida. E tb não há aqui qq efeito regressivo
5- Ora, é só olhar as mesas vazias. E é claro que a fiscalização será ruim (tal como não se verifica o uso de cinto de segurança em 100% das vias).

Leo Monasterio disse...

Gustavo,
Opa! Esqueci de agradecer os ótimos comentários!
Abraços,

Unknown disse...

Mantendo a organização numérica anterior:

1) e 2) Acho que concordamos que, sob hipóteses usuais de racionalidade, o consumo atual é ótimo. Vou usar isso. Em 6), flexibilizo.

3)A pergunta é: Você quem? Sem um argumento forte de externalidade gerada pela própria existência de pessoas de 30-40 anos, a coisa fica pouco clara. Pelo contexto, imagino que você se refira ao fato dessas pessoas ajudarem a sustentar a previdência sem a utilizarem no presente. Acho razoável, mas aí me pergunto: o valor que essas pessoas vão deixar de contribuir pra previdência é maior do que o que elas vão deixar de gastar caso abusem do sal e vivam menos? Sinceramente não sei. Mas, se for o caso, voltamos para 4:

4)De novo, se o consumo de sal é ótimo, não deveríamos reduzi-lo. O que você está propondo é uma troca eficiência-justiça social. Mas, sinceramente, você acha que o sal tem impacto tão relevante assim no orçamento das pessoas? Nesse mercado com fama de careiro 1kg (que dura meses) custa 2 reais. Não sei você, mas eu estou disposto a lidar com essa pequena regressividade do imposto. Lembre-se que esse argumento de "não vamos resolver via preços porque o impacto é regressivo" pode ser bastante abusado. Se você está disposto a utilizá-lo aqui talvez deva começar a olhar com simpatia subsídio à energia elétrica (a la Dilma) e passe livre, por exemplo. No limite, podemos usar isso pra qualquer aumento de preços.

http://www.paodeacucar.com.br/produto/11672

5)Mas uma mesa pode ter sal porque o cliente anterior deixou. É bem fácil mandar essa desculpa e bem difícil verificá-la. Em um país onde temos regras demais e fiscais de menos, me preocupo em ficar adicionando mais regulações. Me preocupo que, para um dado número de fiscais, o tempo perdido fiscalizando o sal signifique menos estabelecimentos fiscalizados no total. E, portanto, menos enforcement de regras mais importantes ( armazenamento de produtos, por exemplo). Repito, aumentar a alíquota de um imposto que já existe é bem mais simples.

6)Sinceramente, acho que a restrição não se sustenta dentro de um paradigma neoclássico. Então, vou atacar a mim mesmo e falar o que todo mundo pensa mas nós economistas temos vergonha de admitir:

O apelo da regulação é que os consumidores são irracionais e não sabem escolher direito.

Não é difícil inventar uma historinha que faz sentido e justifica isso. A minha preferida é de que eles sofrem de inconsistência temporal. Se isso é verdade, nossas argumentações(economicistas) usuais não valem e é possível uma intervenção levar a uma melhora de Pareto, mesmo em um mundo perfeitamente walrasiano. No caso, o nudge levaria a pessoa a pensar um pouco mais antes de salgar a comida e, assim, tomar a decisão "correta".

Estou aberto a esse tipo de argumentação. Mas ainda acho que estamos discutindo a se um pequeno aumento com custos de regulação se justifica por um pequeno aumento na saúde. O quanto as pessoas vão melhorar por reduzir o consumo de sal em apenas uma questão em particular, contando o fato de que deve haver algum ajuste por parte dos cozinheiros?



Agradeço a solicitude em me responder. Sempre admirei seu blog e é uma honra debater com você.

Leo Monasterio disse...

Gustavo,
Estou enrolado agora, mas depois vou responder o teu comentário com a atenção merecida.
Obrigado, a propósito, pelas gentis palavras!
Abraços,
Leo.

Leo Monasterio disse...

Ótimos pontos!
Vamos lá:

3) Imagine que ao invés de sal, tivéssemos uma cicuta que mataria todos entre 30 e 40 anos. Tem uma externalidade para aqueles que <30 e >40 que terão que sustentar todo o sistema, concorda?
4) Eu estou supondo uma "fraqueza de vontade" ou um tanto de racinalidade restrita por parte do consumidor. (Eu não compro chocolate em quantidades infimas, pois sou compulsivo. COmo todo chocolate esteja a menos de 30 metros de mim.)
5) Sim, pode ser. A minha esperança é que aconteça como ocorreu com o cinto de segurança: hoje, mesmo sem fiscalização, todo mundo já se acostumou a usar (eu inclusive). O Efeito Peltzman foi bem fraquinho e milhares de vida foram salvas com uma merreca de perda de bem-estar.

Valeu, era isso!
Grandes abraços,
Leo.

Anônimo disse...

http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2015/07/noticias/cidades/3902373-bar-protesta-de-forma-criativa-contra-proibicao-de-sal-nas-mesas.html

Anônimo disse...

O mais interessante é que sal provavelmente não faz mal.

Anônimo disse...

http://www.webrun.com.br/h/noticias/voce-tem-medo-de-sal-pois-acho-que-nao-deveria/15902

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