Por que a cozinha gaúcha é tão pouco sofisticada?

Sim, churrasco é ótimo. Galeto é ok. Mas,  fora isso, não existe qualquer prato gaúcho que tenha feito sucesso ao norte de Santa Catarina. Enquanto isso, os outros estados com culturas mais peculiares do Brasil têm seus pratos típicos. À primeira vista, isso é surpreendente porque a abundância de recursos naturais no RS é impressionante. Ingredientes de alta qualidade podem ser encontrados por lá. Frutas, legumes e as carnes são ótimas e com preços menores do que o resto do Brasil.
Minhas hipóteses:
a) A abundância de terras significava que o trabalho era relativamente caro. Um gaúcho preparando a carne perdido no pampa é exatamente o  que se espera de uma sociedade em que a terra é abundante e o trabalho caro. Todas as estimativas de renda per capita no sec XIX, mostram  o RS com salários bem maiores do que o resto do Brasil. Como boa cozinha é intensiva em trabalho, a culinária local ficou prejudicada. Optou-se por poupar trabalho e abusar da quantidade e qualidade dos outros insumos.
b) Os imigrantes europeus não ibéricos passaram tempo demais longe das cidades e, em grande parte, perderam seu conhecimento culinário. Em São Paulo e Buenos Aires, a urbanização foi bem mais  rápida e houve tempo de preservar a culinária européia.
c)  A parcela de escravos vindos da África no RS foi menor do que os que chegaram na Bahia e no Rio. Perdeu-se, assim, a contribuição africana.
d) Uma sociedade mais igualitária do que o restante do Brasil fez com que demorasse para surgir uma elite que bancasse farras gastronômicas. (Evidência a favor: Pelotas, mais desigual , tem ainda a melhor gastronomia fora da capital).
Alguma outra hipótese?
Obviamente, estou lendo - e adorando - An Economist Gets Lunch to Tyler Cowen.

13 comentários:

Angelo M Fasolo disse...

Um palpite, mais como apreciador do que como economista: o imigrante italiano que chegou no RS é majoritariamente de uma região diferente (norte da Itália, industrial) do imigrante que foi para SP e Buenos Aires (sul da Itália). As diferenças na culinária são marcantes ali.

Não sei detalhes de outras imigrações, ou como verificar as outras hipóteses, mas este detalhe me parece marcante na comida da Serra.

Leo Monasterio disse...

Valeu, Angelo. Mas olha só, nos fins do XIX ateh 1914, as diferencas entre as regioes italiana nao eram tao grandes assim. Os dados de renda per capita mostram que o grosso da desigualdade foi pos segunda guerra.
Sim, eu deveria ver as taxas de urbanizacao, mas me parece que o imigrante para o rs era mais rural que o que foi para SP.

Anônimo disse...

Acho que um grande incentivo para o desenvolvimento da culinária é a escassez. A necessidade de utilizar ingredientes de baixa qualidade ou dificilmente comestíveis incentiva a criação de melhores formas de preparo e conservação. Tanto é assim que as culinárias mais sofisticadas são a chinesa e japonesa (e de outros países asiáticos), em que se usa de tudo ou se acrescentam temperos que tornem palatáveis coisas que em outros lugares dificilmente seriam consideradas alimentos. Embutidos e conservas da cozinha europeia se encaixam nessa categoria. O RS, com sua riqueza em carnes, não oferece incentivo a esses desenvolvimentos. A conserva que se desenvolveu foi o charque e algunsembutidos. Vegetais e tubérculos duros e sem sabor não precisam ser aproveitados...

Leo Monasterio disse...

Anônimo, eu acho que estamos dizendo a mesma coisa. Uma parte da explicacao está nos precos relativos do trabahlo e dos ingredientes.
Abracos,

feluc disse...

Os comentários são pertinentes, todavia a pergunta poderia ser: Por que a cozinha brasileira é tão pouco sofisticada?
Afinal, o uso de ingredientes variados é apenas um dos critérios para se aferir o grau de desenvolvimento de uma determinada cultura gastronômica.
Todavia, no que se refere às técnicas utilizadas, verifica-se que a culinária brasileira abusa dos ensopados e das frituras, ignorando outras formas de cocção que prestigiam o sabor dos ingredientes de alta qualidade.
Em segundo lugar, podemos observar que os ingredientes, em regra, são utilizados livres de manipulação ou beneficiamento. Os europeus, por exemplo, sobretudo pelas dificuldades do inverno, são mestres em compostas, conservas, embutidos e outros ingredientes que, enriquecem tremendamente a sua cultura gastronômica. Com o passar dos séculos, esses ingredientes passaram a ser um repositório importante de conhecimentos culinários. Quem conhece a mortadela feita na Emilia Romagna ou aceto balsamico tradizionale di Modena sabe do que estou falando.
No Brasil, temos os exemplos da carne de sol, compotas e alguns outros ingredientes dos quais não me recordo.
Por outro lado, poderia ser dito que isso é bom, já que usamos ingredientes frescos. Pra quê? Pra pegar um peixe fresco e afogá-lo em tantos ingredientes que seria impossível aferir o seu frescor e qualidade?
Nossos queijos são péssimos, com a exceção, que confirma a regra, do canastra. Nossos pães de trigo também. Pergunte a qualquer estrangeiro, não precisa ser europeu, sobre os nossos pães e será fácil concluir que a nossa panificação se resume a produtos grosseiros, sem nenhuma manipulação que agregue complexidade ou sutileza aos produtos.
A nossa culinária se resume ao repertório indígena, sobretudo a mandioca e seus derivados, e um apanhado de técnicas portuguesas, certamente uma das tradições mais pobres da Europa ocidental. Os negros não acrescentaram técnicas que tenham permanecido, apenas o uso de ingredientes exóticos. Assim como a culinária indígena, a cozinha negra era extremamente penalizada por não ter alcançado os benefícios da metalurgia.
Por fim, o fato de a culinária gaúcha não ser conhecida não significa que não exista além do churrasco ou que não seja boa. Certamente, a maioria das pessoas não conhece puchero, arroz à esquilador, carro de boi, mogango caramelado, mondongo, etc.
Ademais, as pessoas acham que conhecem churrasco gaúcho. Não estou falando de detalhes bobos. Existem tantos diferentes cortes, animais, formas de servir e acompanhamentos que corro o risco de dizer que, ao norte de Santa Catarina, sequer o churrasco gaúcho é conhecido.
Para concluir, sem deixar de concordar com o senhor, creio que não fazemos boa figura sequer na América Latina.
Parabéns pela página.
Fernando Correa.

Anônimo disse...

Pois então eu vou ter que dar a real. Porto-alegrense radicado no Rio de Janeiro descobri com um antigo vendedor ambulante a resposta. A coisa mais difícil é vender para o gaúcho. Ele sempre responde: para que que vou comprar isso se minha mãe-avó-tia-irmã faz melhor em casa?
A resposta é bairrismo. Minha avó, por exemplo, não era uma cozinheira, era uma indústria alimentícia ambulante, de mel, ovos, carnes, sabão e tudo o mais ela fazia por esporte. Logo, restaurantes não vingavam.

Leo Monasterio disse...

Ótimo comentário! Muito obrigado mesmo!
Um dia eu vou fazer arrumar um teste empirico para testar essas hipoteses.
Gratissimo!
Leo.

Leo Monasterio disse...

Anonimo das 14:57,

Valeu o comentario, mas a questao nao eh pq nao tem restaurante, mas sim pq as tradicoes familiares nao tem qq sofisticacao.
Pq as avos ficaram fazendo o basico e nunca evoluiram. (Sim, vc pode argumentar que o tamanho do mercado restringiu a sofisticacao. Pode ser)...

Anônimo disse...

Não sou cozinheiro, mas uma boa cozinha se faz com muito erro e acerto, muito suor na frente do fogão e talento para misturar o que se tem a mão. Depois de constituída uma certa tradição parte-se para a formação. Claro que uma formação de verdade tem que ter o máximo de rigor e exigência. No Japão para ser um sushiman são anos de aprendizado. Como bem explica o Fernando Correa a cozinha brasileira não tem nada disso. Outro fator que deve atrapalhar nossa cozinha é a legislação e o sistema de fiscalização.

blogdocris233 disse...

Leo,

demorei mas passei aqui para palpitar. A minha teoria é absolutista.

O churrasco é tão superior às outras formas de culinária que ninguém nos pampas (tanto gaúchos quanto uruguaio/argentino) pensou em preparar algo melhor, mesmo com os ingredientes disponíveis. Porque seria mais trabalhoso? Não, simplesmente porque é muito dificíl, dadas as preferências locais, preparar algo considerado melhor que um churrasco.

Note que o churrasco é consumido em todo Brasil. Por outro lado, outros pratos regionais do Brasil, como a Moqueca, por exemplo, que são mais sofisticados e tal, não são tão fáceis de achar em outros estados. A causa é a alta sofisticação que demanda o preparo, ou é simplesmente porque as pessoas não gostam? Não tem como separar esses efeitos.

Além disto, quais as cadeias de culinária tipicamente brasileira que porsperaram nos EUA? Exato, churrascarias, vide Fogo de Chão.

Será que uma pessoa (não vegetariana) recusaria um convite para almoçar na Fogo de Chão para ir comer um sushi sofisticado? Fica aí uma possibildiade de experimento.

Enfim, acho que o absolutismo é a causa. Churrasco é muito melhor e pronto. Pra que comer outra coisa?

PS: tá, vocês podem chamar de bairrismo.

Abs
Cristiano

Leo Monasterio disse...

Valeu Cristiano!
Vc está no fundo, atribuindo tudo às preferencias. Isso, é como dedo no olho: não vale. E tem o seguinte: o conflito churrasco X sushi (ou outras comidas) é contrária a tua hipotese.. Afinal, mesmo com preços semelhantes, em uma metrópole como SP, com gente de todo canto, existem muito mais lugares de sushi do que churrasco (e os preços não são lá diferentes).
O que vc apontam sobre o ˜sucesso" da Fogo de Chao, eu tenho dois pontos:
- Sucesso, em termos, pq ainda é bem um mercado de nicho. Qq outra etnia tem presenca mais marcante.
- De fato, o fato de Churrasco ser a unica cozinha de brazuca de exportacao eh o sinal de que o o BR (tal como a imeeensa maioria dos países) não possui um grande culinária. O problema, portanto, é mais geral.

Charles disse...

Oi Leonardo, eu, como gaucho, terei que corrigir alguns equivocos seus aqui. Inicialmente, o RS eh um estado multicultural devido a varias fases de povoamento (e aonde, infelizmente, os indios foram dizimados). O sul do RS eh a regiao aonde predomina a cultura gaucha que surgiu a partir do sec XVII da mistura dos povos indiginas, espanhois, portugueses e africanos. Esta sociedade era muito similar a sociedade que foi implementada no resto do Brasil:com muita desigualdade social. Tinham os donos de terras, os que nao tinham terra e eram dependente dos que tinham terra e tinha escravos negros. Foi nessa cultura que surgiu varios alimentos, entre eles o churrasco. Outro alimento que surgiu nessa cultura e ficou famoso em todo o Brasil sao o negrinho e o branquinho, que ficaram populares no resto do Brasil a partir de meados do sec XIX com os nomes de brigadeiro e beijinho. No sec XIX chegaram os italianos e os alemaes. Esses colonos (como sao conhecidos aqui no RS) eram provenientes de grandes cidades da Alemanha e Italia que nao ofereciam mais trabalho suficiente para toda a populacao devido a revolucao industrial. Deixo a observacao que nesta epoca, o sul e o norte da Italia, assim como as diferentes regioes da Alemanha, eram extremamente diferentes entre si, porque esses paises nao eram unificados nesta epoca, eles eram varios pequenos paises com culturas diferentes. Por exemplo, no sul da Italia os reinos eram agrarios, enquanto que no norte da Italia (da onde provem os italianos do RS) os reinos eram urbano e estavam passando pela revolucao industrial. Outro exemplo, os colonos alemaes e italianos do RS falam linguas diferentes do alemao da Alemanha e do italiano da Italia. Na cidade da minha namorada, por exemplo, se fala Balvarian, uma lingua extinta na europa que que era falado no reino da Baviera antes do surgimento da Alemanha. Esses colonos desenvolveram sociedades igualitarias e com culturas proprias com culinarias proprias. Talvez tu nao conhecas ai aonde moras, mas aqui no RS as cucas alemas, por exemplo, sao extremamente famosas. A culinaria Italiana, com suas massas, canelones, etc nao eh exclusiva do RS porque esses italianos no norte da Italia se explalharam pelo mundo inteiro levando sua culinaria.
Concluindo, a sociedade gaucha tipica era desigual e com desenvolvimento da escravatura. Os colonos italianos e alemaes que chegaram ao RS eram provenientes de cidades populosas e industriais. E o fato de tu soh conheceres o churrasco como comida gaucha, nao significa que seja o unico cardapio tipico que exista por aqui.
Uma boa maneira de se chegar a resposta de uma questao eh se aprofundar no assunto. Eu sei tudo isso que escrevi aqui porque sou gaucho e a gente estuda a historia do RS, assim como, a cultura gaucha. Um abraco e que isso ajude no desenvolvimento da tua hipotese.

Leo Monasterio disse...

Caro Charles,

Obrigado pelo comentário. Eu morei mais de 10 anos no RS (Pelotas, Sao Leopoldo e POA) e, portanto, minhas memórias - e minha cintura - bem sabem as delicias da cozinha gaúcha.

Veja o meu ponto nao é que a comida é ruim, apenas que é pouco elaborada.

Eu só tenho que corrigir um dado teu. Nao é certo dizer que os colonos italianos e germanicos para o RS vieram de cidades industriais populosas. Era uma populacao que -ainda com alguma experiencia urbana/comercial- era basicamente rural.

Eu agradeceria se vc desse uma olhada na aba "artigos". Talvez tenha alguma coisa que te interesse.

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