Jornalismo de dados é insuficiente (continuação)

O post anterior rendeu respostas da Tai Nalon e do Sergio Spagnuolo, que trabalham no AosFatos.
  1. Antes de tudo, eu só critico o Aos Fatos só  porque admiro o esforço e  os objetivos do projeto; 
  2. Tai Nalon, as bases utilizadas no estudo não são as mesmas. Ambas tem como fonte a Rais, mas Stein et al usaram a base da Rais identificada (também chamada de Rais-Migra) que tem os dados completos do indivíduo e do vínculo empregatício. Isso permite seguir o mesmo trabalhador a cada ano. Já o Dieese usou os dados agregados da Rais (de forma irresponsável). 
  3. O problema não é falta de dados. A Rais identificada é uma base de 70 milhões de observações por ano que permite resolver problemas empíricos bastante complicados. (A propósito, o método de identificação dos terceirizados feito por Stein et al é apropriado, na minha opinião) 
  4. Sérgio apontou que todo mundo erra, inclusive o Ipea. Ele não precisava citar artigos dos meus colegas de trabalho. Poderia citar os meus erros. Veja aqui aqui duas lambanças que eu mesmo fiz, identifiquei e corrigi. Imagine quantos erros eu devo ter deixado passar?! Além desses erros triviais, devo ter cometido muitos outros metodológicos. Contudo, isso é diferente de escrever um trabalho não-científico. Seria como comparar um erros de um astrônomo com um de um astrólogo. (Um astrólogo nunca erra, pois a astrologia já é um erro em si )  
  5.  Aí vai o meu ponto: eu não espero que jornalistas saibam dessas manhas da pesquisa empírica e das bases de dados. O meu ponto é que vocês deveriam ter o apoio de pesquisadores antes de equiparar o panfleto do Dieese e o trabalho de Stein et al. Ora, os leitores vão ao site do AosFatos pela credibilidade que vocês têm. Se o conceito de "Verdadeiro" passa a significar "há um estudo que afirma", qualquer coisa é válida porque sempre existe um estudo mal feito para ser citado. No site vocês dizem que "Verdadeiro" significa "declaração condizente com os fatos e que não carece de contextualização." O panfleto do Dieese não se enquadra na categoria. Um economista, sociólogo quant ou demógrafo bem treinado teria percebido isso imediatamente.
  6. Se a ideia do AosFatos for reproduzir as conclusões de estudos não importando sua qualidade, então sugiro que vocês explicitem isso para o leitor. Se for checar a veracidade das afirmações de políticos e autoridades, aí eu os congratulo porque é disso que o debate público precisa.

Jornalismo de dados é insuficiente

O site Aos Fatos checou se terceirizados ganham menos e comparou dois estudos. Um trabalho diz que os terceirizados ganham -24,7%; e o outro, desprezíveis -3%. O problema é que o site escolheu  dois trabalhos com rigor completamente diferente. Um foi feito pelo Dieese e só compara as diferenças entre ocupações tipicamente terceirizadas e as que não são. Isso é tão científico (ou trivial) quanto comparar o salário de pessoas que trabalham de paletó e de uniforme.
O outro estudo escolhido foi o paper de Stein et al . Este é um trabalho cuidadoso, com microdados da RAIS identificada e que usa as melhores técnicas disponíveis para tentar controlar as diferenças entre os indivíduos terceirizados e os que não o são. 
O texto do Aos Fatos dá o mesmo status a ambos estudos e faz crer que são duas visões sobre a mesma questão. Não mesmo. Claro que o trabalho de Stein et al não é definitivo, perfeito. Nenhum é, mas ele está em outro patamar de qualidade do que o panfleto - uso o termo conscientemente- do Dieese.
Sempre haverá trabalhos ruins. E os bem-intencionados divulgadores de ciência só pioram as coisas quando não separam esse joio do trigo. O público leigo fica ainda mais confuso e incrédulo.
Jornalismo de dados é uma ideia boa, um avanço, mas precisa do apoio de gente com treinamento em outras áreas e não apenas programadores ou web designers. Gente que saiba  que os dados não falam por si e precisam de alguma teoria para guiar as análises e a seleção de estudos de qualidade.

Links:
-O Roberto Ellery deu umas boas pancadas no estudo do Dieese.

Por que Tony Ramos faz propaganda de carne?

Tony Ramos nunca teve reputação de gourmet ou mesmo de churrasqueiro. Por que contratá-lo?
Vamos lá.  Os consumidores enfrentam um desafio: saber a qualidade dos produtos. Em vários casos isso não chega a ser muito complicado. Na compra de uma maçã, por exemplo,  ele examina o produto e estima a qualidade antes de comprar.
Outras vezes não é tão fácil. Pode ser que o consumidor só conheça a qualidade depois de consumir o produto (filmes, livros e a maior parte dos bens culturais), ou porque há problemas técnicos na identificação da qualidade (pense em um remédio). Nesses casos, a sociedade desenvolveu seus próprios mecanismos: críticos especializados que dizem se um livro ou restaurante carro são bons, Yelp, ou mesmo órgãos de certificação privada ou pública.
A propaganda é outro mecanismo de sinalizar qualidade. A lógica é a seguinte: a empresa gasta uma fortuna em propaganda- e geralmente alardeia o quanto gastou-  para mostrar ao consumidor: "Ei, olha só, gastei R$25 milhões para o Rei Roberto fazer propaganda da minha marca. Isso mostra que eu estou  comprometido com a minha marca. Se o produto for ruim, eu não terei como recuperar essa grana. "
Quem genialmente sacou esse mecanismo foi o P Nelson em um artigo que já completou 4 décadas:
NELSON, Phillip. Advertising as information. Journal of political economy, v. 82, n. 4, p. 729-754, 1974.
O mecanismo é perfeito? Não. A realidade recente mostrou que nem a certificação governamental, nem contratar artistas por milhões garante 100% de qualidade. Mas quem vai contratar o Tony Ramos para uma propaganda de agora em diante? Antecipando os riscos a suas imagens, os artistas serão mais cautelosos (e/ou) cobrarão mais. Será que vai surgir uma certificação privada para as carnes nacionais?
Enfim, informação assimétrica sempre existirá e não há um mecanismo só capaz de cobrir todas as situações.

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