Greg Clark destroçando as estimativas do Maddison de PIB per capita

Gandhi, o tiozão reacionário

Vejam o papo dele com o grande Colin Clark:
Gandhi: “Do you know what is the matter with the Indian people, Mr. Clark?”
Colin Clark: “No Mahatma,”
Gandhi: “They’re idle. They won’t work….You may see a man sitting under a tree who says that he is engaged in religious meditation. But all that he is really doing is avoiding work.”
Fonte. (Para detonar o Gandhi - ou qualquer outra unanimidade -, veja o gênio Christopher Hitchens.)

"Jornada injeta R$ 1,8 bilhão no Rio". Não mesmo.

Eu estranhei o valor divulgado e fui para a calculadora. Vamos lá. A pesquisa diz que os brazucas gastaram R$ 49, 70 e os gringos, R$81,30. Os brasileiros seriam 62% dos peregrinos. 
A jornada durou 7 dias, mas vamos fazer com que os peregrinos tenham ficado 10 dias no RJ. Isso daria um gasto total por viajante médio de R$617. 
Pois é,  o número de peregrinos teria que ser de três milhões para alcançar o tal gasto total de R$1.8 bi. Os pesquisadores supuseram que todos que estavam em Copacabana (nas estimativas generosas) eram turistas. Sabe quantos inscritos a JMJ teve?  355 mil. Ou seja, pouco mais de um  décimo do suposto. 
Um tanto de turistas não se inscreveu na JMJ, eu admito. De qualquer forma, o pesquisadores pesaram muito a mão na hora da conta. Conhecendo a imprensa e os políticos, sei que o valor de R$1.8 bi será o repetido por todos. Triste.

"The New Geography of Jobs" por Enrico Moretti

Excelente livro. O autor mostra que é possível fazer um livro de divulgação científica interessante sobre qualquer assunto. Basta conhecer muito bem mesmo mesmo mesmo a literatura contemporânea e ter uma notável capacidade de síntese.
Quem é do ramo de Economia Regional pode curtir as estórias e as metáforas que ilustram um monte de conceitos,  modelos e resultados  importantes. A bibliografia do livro acrescentou uma dúzia de artigos à minha pilha de papers "ler com urgência".
No ramo, o livro é até melhor do que o Triumph of the City do Ed Glaeser. O do Moretti é mais ponderado e menos categórico nas recomendações de política urbana e regional.

A verdadeira doença hollandesa

As questões de finanças públicas da  entrevista do Secretário de Política Econômica à Juliana Rosa já foram criticadas pelo Mansueto com a excelência habitual. Eu acrescento dois pontos questionáveis da visão hollandesa.

1- IPI, o abusado:

Ele disse (15:20):

"Quando algum setor acumula estoques é importante que o governo fique atento a isso. A fase seguinte é a redução da produção, férias, parada técnica, férias coletivas e depois demissão. É preciso estimular a desova desses estoques em setores importantes da economia... Esses tributos são usados para controle de atividade econômica de curto-prazo. Flutuações um, dois, três meses é feito algum tipo de alteração no tributo."
O IPI é regulatório, mas não deve ser o instrumento para controlar estoques de setores no curto-prazo. 
Eu nem vou entrar na discussão dos efeitos das isenções sobre as finanças estaduais e municipais. O que me assombra é, primeiro, almejar esse micro-controle da economia (imagine as oportunidades de rent-seeking que isso abre!). Em segundo lugar, essa prática, mesmo se possível, congelaria a estrutura setorial da economia. Sem mudança estrutural, não há desenvolvimento econômico.

2- Câmbio, o incompreendido:

Em certo momento (29:40), o secretário afirma:
"Um câmbio mais competitivo é sempre bom para o médio e longo prazo."
Mas em outro momento (8:15), ele disse em tom celebratório:
"Hoje a família brasileira consome (...) internet, celular, smartphones, IPh.. tablets e diversos."
As pessoas tiveram acesso a esses bens importados devido ao câmbio valorizado (e a despeito das tarifas de importação). Não dá para ver que a segunda frase é a evidência empírica que nega a primeira?

Brasília não é uma cidade planejada

Veja a Vila Planalto. Fica no Plano Piloto, a menos de  2 km do Palácio do Planalto e a 3 km do Alvorada. Completamente fora do plano inicial, o bairro é tão antigo quanto a cidade e só agora foi regularizado.  Já está rolando a gentrificação e surgiu um pólo de restaurantes bem bonzinho. Alguns são um pouco sobrevalorizados, mas valem a pena conhecer. O Tia Zélia rende um paper de Sociologia.
Outras ilegalidades tornam a cidade bem melhor do que os planejadores gostariam. São barraquinhas, varandas, restaurantes, hotéis e casas irregulares.
A moral da história é muito velha. O microplanejamento não dá certo. Ou melhor, ele dá certo - em sentido mais profundo - justamente porque não alcança seus objetivos. Os esforços de contornar ou confrontar o plano são o mais legal da cidade.

"Mais Médicos". Que tal olhar a literatura?

O debate público no Brasil parou na moralidade do programa. Uns dizendo que é escravidão e mais um passo para virarmos a coréia do norte; para outros, os médicos seriam uns boas-vidas ipanemenses que deveriam conhecer o brasil profundo. A questão primeira deveria ser: o programa funciona?
Eu já nem quero mais randomized control trials, nem que fizessem um federalismo de laboratório (com cada estado escolhendo um formato diferente de programa). Fico satisfeito com um debate baseado no conhecimento sobre o assunto. E como tem coisa! Olhem esse survey  e esse outro. São centenas e centenas de estudos sobre métodos de levar médicos às populações carentes.
Na verdade, o "Mais médicos" é só mais um caso de política pública que ignora a evidência empírica mundo afora. É óbvio que cada país tem suas peculiaridade (no limite de Funes, tudo tem sua peculiaridade). Mas a revisão da literatura é o mínimo que eu gostaria de ver.

Divulgações diversas

A nova onda de debates sobre o Brasil

Caramba. Não sei se foram as manifestações, as férias escolares, os astros, ou a sensação de que chegamos a uma bifurcação. O fato é que as últimas semanas foram ótimas para o debate on-line sobre o Brasil. Esse post do Drunkeynesian sintetiza a polêmica (eu acrescento outro post do próprio). (O debate no Twitter, com ainda mais gente boa, foi sensacional, mas eu não sei como referenciar).
Acrescento uns textos mais antigos que - no futuro -  farão parte da bibliografia dos que pesquisarão o debate contemporâneo:

A África do Sul é (quase) como o mundo

A África do Sul tem Gini de 0,63 e renda per capita de US$ 10.960. O mundo,  0,70  e US$11.616.
O Brasil é um pouquinho tão rico quanto o mundo e menos desigual (0,55 e US$$11.640).
(Alguém tem a renda mediana do mundo?)
Fontes: Renda e Gini dos paísesGini mundo (conceito 3 de desigualdade do Milanovic).

A distribuição espacial dos médicos

Meus pitacos irresponsáveis:
  • É besteira que todo município deve ter médico . O  Brasil tem municípios demais, uns com menos de mil pessoas. Por outro lado, existem municípios como Altamira (PA) que é maior do que a Suiça e Portugal. Somados. O município é uma péssima unidade de análise.
  • A questão é a acessibilidade aos serviços de saúde (por tipo de atendimento). Ou seja, o tempo que demora para uma família chegar ao médico (ou vice-versa). O atendimento primário deve ter uma acessibilidade mínima para todos. Notem que eu  trato de acessibilidade. Na população distante, barcos e aviões fazem mais sentido do que deixar lá uma equipe médica de plantão.
  • A concentração espacial dos médicos é esperada e desejável.  Pelo mesmo motivos que  os outros serviços especializados são concentrados em metrópoles: economias externas e internas de escala.
  • O caso dos médicos cubanos parece  "uma solução em busca de um problema". Na função de produção de saúde, os fatores não devem ser lá muito substituíveis. Ou seja, um médico, imagino eu, precisa de um certo número de outros profissionais de saúde e um conjunto determinado de equipamentos. Justamente são os médicos o que  falta no Brasil?
  • Na hipótese improvável de que a falta de médicos seja o gargalo relevante, quer dizer que 6 mil , ou seja, 1.5% do estoque de médicos, fariam diferença e seriam a ação prioritária?
  • Certamente, nada disso é novo. Meu assistente de pesquisa mostra que existe até um  International Journal of Health Geographics, com textos como esse.
  • Com o Censo 2010 e Datasus dá para fazer uns mapinhas legais (se é que alguém já não fez) para o Brasil. Isso ajudaria muito a discussão.

Four Decades of Terms-of-Trade Booms: Saving-Investment Patterns and a New Metric of Income Windfall

O trabalho é bem bacana mesmo. Eu só desconfio que o critério de identificação de booms dos termos de troca foi excessivamente rigoroso. O do Brasil só teria acontecido em 2006. Com isso, o impacto do boom para a economia brasileira foi minimizado. Ah, quem foram os maiores beneficiados? Bolívia e Venezuela.

Renda per capita dos municípios 2000-2010 (SE e NE)

Quem caiu de classe de renda está em vermelho. Em verde, quem subiu. Quanto mais escura a cor, maior foi a mudança. (Os valores são relativos à média da renda per capita municipal do ano).
Fonte: Censo IBGE.

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