Por que é tão importante controlar o crescimento da dívida pública?

Fiz uma planilha no Google Spreadsheets para explicar.
Experimente:
Aumente o valor inicial da relação dívida pública/PIB e veja como cresce o esforço fiscal (ou seja, o superávit primário/PIB) para que a dívida  não seja explosiva.

Atualização. Os valores mudam conforme outras pessoas alteram a planilha. Sugiro que vocês façam o dowload para poder brincar em paz.

Programas de transferência de renda não renderam reeleição na América Latina

Aqui (e versão aberta).  O autor foi o único que encontrou um resultado semelhante ao clássico, retumbante, histórico, revolucionário paper

Como a dívida pública acelerou a Revolução Industrial Inglesa?

Ventura e Voth explicam:
By the 1750s, the first nobles were switching massively out of land and into government debt. ...The shift from investing in liming, marling, draining, and enclosure into government debt liberated resources – labour that could no longer be profitably employed in the countryside had to look for employment elsewhere. Because so much of English agricultural labour was provided by wage labourers, the switch to government debt pushed workers off the land. Unsurprisingly, wages failed to keep pace with output; real wages, adjusted for urban disamenities, probably fell over the period 1750-1830. What made life miserable for the workers, as eloquently described by Engels amongst others, was a boon to the capitalists. Their profit rates continued to rise as capital received an ever-larger share of the pie – while the share of national income going to labour and land contracted. Higher profits spelled more investment in new industries, and Britain’s industrial growth accelerated.
Bom, se eles estão certos, surge um problema para o caso brasileiro. Afinal, no século XIX, o Império brasileiro era um ótimo tomador de empréstimo e com boa reputação. Porque, afinal, o mesmo mecanismo não aconteceu aqui?

(Não tem relação direta com o assunto, mas eu adoro citar outro texto co-autorado pelo Voth: "Lending frowm the borrower from hell: debt and default in the age of Philip II". O Rei Felipe deu calote quatro vezes e os banqueiros genoveses continuavam emprestando. O texto explica a lógica)

Diversos

A inovação à moda brasileira

Todo mundo diz que gosta de inovação, mas alguns só gostam mesmo quando :
  • Não poupa trabalho;
  • Não prejudica os concorrentes;
  • Não prejudica outros setores;
  • Já estava  regulamentada;
  • Não depende de importação de tecnologia;
  • Custa caro, para ser financiada com dinheiro público;
  • Desenvolvida na universidade, mas esta não deve esperar nada em troca. Afinal, configuraria privatização da universidade; 
  • Bonus points se usar "saberes tradicionais".
Ou como disse alguém (acho que fui eu mesmo), no Brasil é o único lugar em que schumpeteriano não gosta de destruição criativa.

Quando a política fiscal deve ser expansionista?

- Quando houver crise, porque há crise;
- Quando não houver crise, para não abortar o processo de crescimento agora em curso;
- Quando o déficit público for baixo, porque 1) não há razão para austeridade; 1) austeridade reduziria as expectativas de crescimento, o investimento e, por fim, a arrecadação cairia;
- Quando o déficit público for alto, porque a austeridade só pioraria a situação fiscal:
- Quando a dívida pública for baixa, porque "ah, a dívida pública brasileira é tããããão baixa." ;
- Quando a dívida pública for alta, porque "ah, o Japão tem 200% de dívida pública/PIB e acabou de lançar um programa de novos gastos públicos"; 
 - Se der praia no final de semana;
- Se não der praia.
(Variante do post "Quando proteger a indústria?")

Vermes: a treta no mundo dos experimentos em políticas públicas e o meu pitaco

  1. O gênio Michael Kremer e Miguel publicaram, em 2004, um artigo na Econometrica em que mostram que os benefícios de dar vermífugo para as crianças no Quênia  atingiam não só as tratadas, mas também as demais (por diminuir a contaminação).
  2. Dez anos depois, outros autores pegaram os dados e o código do Kremer e Miguel e não encontraram os mesmos resultados, i.e. os benefícios para as crianças não tratadas. (Teve gente que não concordou com o estudo.)
  3. Ben Goldacre, um craque na análise das políticas públicas (veja aqui um texto ótimo dele, em português), ressuscitou a polêmica com um post no Buzzfeed com aquele jeito Buzzfeed de ser: exagerado e com fotos sensacionalistas.
  4. O debate foi para o Twitter e envolveu o grandes Chris Blattman e o Michael Clemens. A discussão foi para tecnicalidades e para saber o que é, afinal, replicação de um estudo.

Meu pitaco irresponsável: esse experimento com vermífugo tem interesse acadêmico, mas eu ainda não sei qual sua relevância para políticas públicas. Ora bolas, você deve matar os vermes da criançada de qualquer forma, mesmo sem benefício no desempenho escolar nem em externalidades. Experimentos devem ser guardados para aquelas políticas públicas cujo resultado não seja óbvio ou um fim em si mesmo.

Atualização: o Chiss Blattman escreveu um post.

Krugman versus economista austríaco

Ótimo debate (via Marginal Revolution). Como partidarismo emburrece, Krugman deu umas bolas-fora nas colunas jornal. Contudo, quando ele debate com um austríaco fica claro todo seu brilhantismo e o quanto ele está mais certo do que errado.
Mas a melhor frase do debate é do Samuelson citado pelo Krugman.
"Sempre me dizem que o problema com o Marx é que ele não foi entendido pelo seus seguidores. Contudo, quando ocorrem 15 acidentes no mesmo local da autoestrada, eu deixo de culpar os motoristas e passo a culpar quem fez a estrada" 
(Cito de cabeça, pois não guardei o instante do debate).

A crise da Grécia como um questão federativa

E se um ente federado gasta mais do que arrecada e quebra?  Ao contrário de empresas, entes federados que quebram não desaparecem, nem têm os seus ativos comprados por outros.
Se o ente federado sabe que será salvo pela união, sua decisão ótima será gastar loucamente e esperar o socorro. O pessoal da chamada segunda geração da Teoria Econômica do Federalismo percebeu isso e usou o conceito de "restrição orçamentária maleável". Ou seja, os entes não enfrentariam limites claros de o quanto têm para gastar. Ficou claro que as federações só se manteriam na presença de mecanismos que impedissem o comportamento gastador-amalucado dos entes.
Vejam, não há qualquer problema em existirem transferências para equalizar as diferenças de capacidades e necessidades fiscais dos entes. Mas não dá para os entes esperarem sempre o socorro fiscal da união.
Para uma introdução bacana ao soft budget constraint e federalismo, veja o capítulo 10 deste livro  (gratuito pdf grande).


O Programa de Proteção ao Emprego é bom para as finanças públicas?

O plano será bancado com o FAT, que já está com problemas graves e recebe aportes do Tesouro Nacional. Logo, haverá um gasto público.
O contra-argumento  sustenta que é o PPE é mais barato do que arcar com o seguro-desemprego dos demitidos. Essa conta não considera dois efeitos:

  • a) efeito peso-morto (deadweight) do gasto. Parte das empresas não ira demitir se não houvesse o PPE. Na sua presença, eles se aproveitam para mandar parte da fatura para o contribuinte.
  • b) efeito deslocamento (displacement): supõe que os possíveis demitidos não encontrariam qualquer emprego durante o período de seguro-desemprego.* 

Enfim,  sem saber o tamanho desses efeitos,  não dá para estimar o resultado líquido do PPE para as finanças públicas. Só sei que não é tão conta de padeiro quanto parece.
(Além disso, quando sair a lista de setores, não me surpreenderei ao ver os mesmos suspeitos de sempre. Isto é, setores maduros com problemas estruturais e que são beneficiados pelo protecionismo e pelos recursos públicos faz décadas.)
O que fazer então para amenizar o impacto social da crise? Sem fazer as contas, eu prefiro um boost no bolsa família a usar dinheiro público com resultados econômicos e distributivos bem questionáveis.

* Sim, eu sei que talvez haja um efeito multiplicador com sentido contrário. 

A crise da Grécia como um problema regional

[Alerta: Este post não tem nada de novo. Tudo isso foi discutido por economistas regionais faz um tempão. Na verdade, quase toda literatura dos últimos 20 anos foi motivada pela questão da formação União Europeia.]

Os modelos de Nova Geografia Econômica têm um ponto em comum: mostram que a integração, sob certas condições, pode gerar uma estrutura espacial concentrada. No caso Europeu, a região dinâmica seria a Blue Banana (da Inglaterra até o Norte da Itália). Quanto mais distante da banana, pior.

Justamente por se preocupar com isso, a política regional da UE - 1/3 do orçamento da entidade- voltou-se para investir pesadamente nessas regiões periféricas. (Estive na Grécia em 2005- justamente para um encontro de economia regional - e era impressionante como toda a infra moderna foi bancada com recursos da UE). Houve queda da desigualdade, mas nenhum milagre econômico que garantisse uma maior homogeneidade entre o centro e a periferia europeia.Ou seja, os  mecanismos econômicos que fazem com que a atividade econômica se concentre no espaço foram muito fortes.

No caso da Grécia acrescente: setor público com qualidade institucional latinoamericana e barreiras institucionais/linguísticas que impediram a livre movimentação de capital e trabalho. Pronto. A desgraça está feita.

O grande Robert Mundell - criador da noção de Área Monetária Ótima- achava que a criação do Euro iria disciplinar os países: com as mãos amarradas, sem poder emitir moeda ou se endividar loucamente, eles dariam jeito nas suas finanças públicas. ( Já  Friedman era bem cético), O crescimento não foi suficiente para amenizar as distorções do setor público e os problemas se acumularam.

Agora não há muito a fazer. O jeito é admitir que - olhando para trás - que a Grécia não fazia parte da área monetária ótima europeia. E rezar para que a saída Euro seja o menos trágica possível.

Para aliviar (?), mais uma das ótimas piadas do Zizek:
A young Greek man visits the Australian consulate in Athens and asks for a work visa.
“Why do you want to leave Greece?” asks the official.
 “For two reasons,” replies the Greek. “First, I am worried that Greece will leave the EU, which will lead to new poverty and chaos in the country . . .”
 “But,” interrupts the official, “this is pure nonsense: Greece will remain in the EU and submit to financial discipline!”
 “Well,” responds the Greek calmly, “this is my second reason.”

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