A nova Lei de Imigração traz riscos para o Brasil?

Eu escrevi o não para a coluna Opinião da Folha de São de Paulo.  Os sem-folha podem ler aqui.

Como era o Brasil Império?

Todo mundo têm o direito de ser monarquista, flamenguista ou cambista.  Só não dá para ser vigarista. Esbarrei em textos sobre o Império que inventam números absurdos. Vamos aos fatos.

Aspectos econômicos:
  • O Brasil era muito pobre. Em 1872, Brasil tinha PIB per capita menor do que a Somália de hoje. Não era só que o Brasil era pobre, mas o país ficou para trás perante o resto do mundo durante o Império. Em 1820, Brasil tinha o 18o PIB per capita dos 48 países sobre os quais há dados.  Em 1870, nosso país era 42o. de 67 países. A comparação com os EUA também mostra o mesmo fenômeno: o país passou de 50% do PIB per capita norte-americano para pouco mais de 20% (Maddison).
  • Rola no submundo da internet que a Economia Brasileira era a 4a do mundo no Império. Lorota. Era a 22a do mundo. Vejam a lista:

  • Não havia equilíbrio fiscal. É verdade que o Império não era caloteiro, mas a dívida interna passou de 14 mil contos de réis (1830) para 434 mil contos (1889) (Ordem do Progresso, p 23). Além disso, veja o que aconteceu com a dívida externa:


  • O gráfico acima foi retirado do sensacional "Inglorious Revolution – Political Institutions, Sovereign Debt, and Financial Underdevelopment in Imperial Brazil", do William Summerhill: 

 
  • A capa do livro, a propósito, representa o Governo Imperial distribuindo crédito para os cafeicultores às vésperas Abolição.
  • Os preços pelo menos dobraram no Brasil entre 1830 e 1889. Nos EUA , caíram 10% e na Inglaterra, 30% no mesmo período. (Fonte: Ordem do Progresso, p. 19.)
Aspectos sociais:
  • Em 1872, 16% da população era escrava (Censo de 1872). Sempre é bom lembrar que o Brasil foi o último país do Ocidente a acabar com a escravidão. ("Ah, mas a MembroDaFamíliaReal era contra a escravidão". Nenhum mérito. No século XIX, todo mundo já se pronunciava contra a escravidão);
  • A expectativa de vida  ao nascer era de 27,4 anos (Mello, P. C. (1984). A economia da escravidão nas fazendas de café: 1850-1888. PNPE: Rio de Janeiro.)  e 85% do brasileiros eram analfabetos (Censo de 1872); 
  • Após a Lei Saraiva (1881) só 1,5% da população votou. Antes, é verdade, até que se votava bastante no Brasil, quando comparado a outros países do mundo.
  • Claro que todos os dados  aqui representados são imperfeitos. Os dados de PIB, por exemplo, são muito criticados e talvez realmente estejam subestimados. Contudo, por maiores que sejam os erros, eles não são suficientes para transformar o Brasil nessa maravilha do século XIX que os monarquistas querem pintar.

Quanto Marcela gastou?

A much beloved Vera me perguntou qual o valor atual dos 11 contos da frase famosa do Memórias Póstumas de Brás Cubas:
"Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos."
Um bom dinheiro. 200 mil réis era mais ou menos o que ganhava um trabalhador pouco qualificado por ano. Assim, os 11 contos poderiam comprar o trabalho de uns 55 trabalhadores durante um ano.
Vou fazer a conta de outro jeito. A taxa de câmbio em 1880 era 22 pence por mil-réis. 11 contos = 243 mil pence. Lembrando que o sistema monetário inglês não era decimal, isso resulta em umas 1000 libras ; ou 83.000 libras de hoje. Em reais, pós- Brexit, dá uns R$ 357 mil. Ou seja, Marcela e Brás Cubas torraram R$ 23 mil por mês.

 A propósito, esses 11 contos de réis foram um pouco abaixo dos 12 contos de réis em títulos públicos que Machado de Assis deixou para a menina Laura (filha da sua sobrinha). O testamento do Machado está no ótimo "A Economia de Machado de Assis", do Gustavo Franco.

(Em um post antigo, também respondendo ao pedido da Vera, eu calculei aqui o custo do Baile da Ilha Fiscal. E se você gostou deste post, também gostará do post do Brad Delong: Quão rico era Fitzwilliam Darcy?)

Diversos


Mestrado e Doutorado em Economia na UCB

O edital está aqui.  O programa recebeu a nota 6 na mais recente avaliação da Capes.
As aulas são das 8 às 10 da manhã e à noite nos dias de semana. (Para quem não sabe, eu sou professor do programa em tempo parcial na área de Economia Regional)

Diversos


  1. Chetty: "Sim, Economia é uma Ciência"; 
  2. Uma monografia do Insper com índice mensal de preços para o Brasil entre 1821-1831. Ótimo ver a garotada animada com isso!; 
  3. Por que Westeros não saiu da idade média? Uma ótima reflexão sobre as raízes da revolução industrial; 
  4. Marcos Lisboa: Outra História (todo mundo já leu, né?); 
  5. Imposto é roubo? Ótimo texto, como sempre, do pessoal do Por quê; 
  6. Gudin: "Eu sou contrário é a essa  indústria preguiçosa, que amassa fortunas para uma minoria de privilegiados à custa do consumidor"

Técnicas Avançadas de Sobrevivência na Universidade - já à venda!

Vide Editorial acabou de publicar Técnicas Avançadas de Sobrevivência na Universidade (Amazon, Folha, Martins FontesSaraiva, Cultura).
É a versão bem ampliada do Manual de Sobrevivência, publicado já faz uns 4 anos. Tem 40% mais palavras e muitos novos verbetes como: "Armadilhas Estatísticas", "Retórica" e "Causalidade".
Agradeço muito aos leitores blog pelas sugestões.
Aqui está o site do livro. Por favor, divulguem. Como não tenho facebook, seria ótimo se vocês divulgassem por lá. Obrigado!

(Ah, e não há previsão de pubicação de e-book)

Lei Seca e o protecionismo brasileiro

Segundo a tese Bootleggers and Baptists (B&B), uma regulação é implementada quando dois grupos aparentemente opostos a apoiam. De um lado, estão os bem-intencionados que querem impedir um comportamento; de outro, os que ganharão com a regulação. O exemplo inspirador da tese  é a Lei Seca. Religiosos e traficantes de bebida se juntaram para banir o álcool. Ambos ganharam com a regulação e quem perdeu foi o bebedor americano.
O protecionismo no Brasil é um bom exemplo de B&B. Economistas desenvolvimentistas e políticos - talvez tão sinceros quando os batistas- desejam "o adensamento das cadeias produtivas", "a proteção do emprego nacional", "a defesa dos setores de alto valor adicionado" e outros clichês. Acreditam que assim a economia crescerá e a desigualdade cairá. Já empresários e políticos rent-seekers fazem coro, fingindo nacionalismo, mas sabendo que vão ter lucros extraordinários com a proteção.
A Lei Seca foi o fracasso dos que defendiam a abstinência alcoólica. Nunca se bebeu tanto e o crime organizado se consolidou.  Os desejos dos desenvolvimentistas também são tiros no pé. Querendo garantir crescimento e igualdade, acabam gerando ineficiência, estagnação,  corrupção e desigualdade. Empresários e políticos corruptos ganham; o trabalhador perde.

Resenha de "Inglorious Revolution" do William Summerhill

Federalismo implica estado menor?

Tem liberal que justifica o apoio a movimentos de secessão/emancipação com o argumento que isto contribuiria para controlar o tamanho do estado. Maior competição entre unidades limitaria as lambanças do governo.
O argumento faz sentido, mas não é garantido que o resultado será menos estado:
  • Ao ajustar a provisão de bens públicos às preferências locais, é possível que os eleitores votem por mais bem públicos; 
  • Além disso, descentralização pode levar a menores economias de escala na provisão de bens públicos e, portanto, a impostos maiores;
  • Mais ainda, segundo Wallis, como indivíduos têm mais poder na esfera local, eles tendem a atribuir mais responsabilidades ao setor público.
Eu tirei esses argumentos da minha cachola? Não, está tudo nesse ótimo texto do Oates, o cara que inventou a teoria econômica do federalismo fiscal:
OATES, Wallace E. Searching for Leviathan: An Empirical Study The American Economic Review, Vol. 75, No. 4. (Sep., 1985), pp. 748-757.

João José Reis ganha prêmio Machado de Assis

O grande historiador João José Reis ganhou- mais do que merecidamente- o Prêmio Machado de Assis.
Eu poderia listar qui seus trabalhos mais importantes, mas preferi linkar uma briga recente. Nesse texto, ele destrói o Lovejoy. Além das críticas, ele acusa de plágio e reproduz as páginas copiadas (p.386)!
Atualização: link corrigido (obrigado, Shikida!)

Precisa-se de imigrantes

Diversos

DARPA e a política industrial

Sempre que ouço o argumento marianamazucático de que a DARPA foi fundamental para o surgimento da Internet, cito  que a mesma agência criou o agente laranja. Centenas de milhares de vietnamitas e os próprios americanos sofreram danos permanentes (e hereditários) causados pelo herbicida. (E eu nem conto as outras ideias ruins que a DARPA promoveu: telepatia, estourar bombas atômicas na magnetosfera para se defender dos mísseis russos, Star Wars do Reagan etc...).
Quando se gasta centenas de bilhões em pesquisa, uma hora você acerta. O improvável seria o contrário!
(Lembrei disso quando esbarrei em um texto do Fogel sobre o programa espacial. O texto só resume seu estudo das ferrovias e conclui que não vale a pena usar a mesma metodologia  para estudar os efeitos da NASA)

Os 8 parlamentares muçulmanos na Alemanha votaram a favor do casamento gay

Aqui (página em alemão traduzida). Isso só mostra a força de uma sociedade aberta e moderna. Os imigrantes acabam adotando, ao menos na esfera pública,  os valores da sociedade secular.
Outra evidência:
The majority of Muslims in Germany are devout and open-minded at the same time. The study shows that 63 percent of those adherents of Islam who consider themselves fairly or very religious say they re-examine their religious attitudes at regular intervals. Roughly 60 percent of those respondents say they support same-sex marriage, something that also applies to 40 percent of highly religious Muslims who say they rarely look at their religious principles. In Turkey, in contrast, the country of origin for most of Germany’s Muslims, only one-third of highly religious Muslims say they regularly re-examine their religious beliefs. Only 12 percent of highly religious Muslims in Turkey say they are in favor of same-sex marriage.
Outro paper corrobora a ideia: "Does mass immigration destroy institutions? 1990s Israel as a natural experiment" (versão aberta aqui). Os autores mostram que a chegada de russos não teve qualquer efeito ruim sobre as instituições locais.

"How the East was Lost: Coevolution of Institutions and Culture in the 16th Century Portuguese Empire" por Mueller e Ayello


Texto bacana do Bernardo Mueller e do João Gabriel Ayello. Ainda não li essa versão, mas participei da banca de dissertação e gostei muito do trabalho.

Relatório para o Kennedy sobre o Brasil (novembro 1962)

Diversos

Minha bronca com a Revolução da Credibilidade

Claro que a revolução da credibilidade foi um avanço. Ed Leamer estava certo quando escreveu Let's Take the Con Out of Econometrics. E Angrist também estava certo quando publicou The Credibility Revolution in Empirical Economics: How Better Research Design Is Taking the Con out of Econometrics. Só que a revolução foi longe demais.
Hoje, assuntos bacanas não são pesquisados porque não dá para aplicar uma das estratégias "novas" para encontrar  causalidade.  O conjunto de problemas investigados são limitados pela ocorrência de alguma esquisitice no mundo que permita a identificação econométrica. (O contra-argumento é que sempre há alguma fonte de exogeneidade; bastaria procurar direito. Pode ser.)
Mas a minha queixa principal é outra:  agora acreditamos demais no autor. Quando a econometria era vagabunda, uns OLS aqui, um painel acolá, ninguém se deixava convencer por um monte de *** junto aos coeficientes. Não éramos trouxas.
Já na revolução da credibilidade, se você compra a estratégia de identificação proposta pelo autor, tem que aceitar o resultado (mesmo que duvide da validade externa). O problema é que -na imensa maioria das vezes-  o autor conhece os eventos que levaram a suposta exogeneidade melhor do que o parecerista (e, claro, o leitor). E é muito fácil esconder as malandragens que poderiam comprometer a identificação. Não adianta compartilhar os dados e o código on-line, se informação crucial não foi compartilhada.
(O post de hoje do Marginal Revolution retrata bem o problema. Se você não conhece tudo da sociedade dinamarquesa, nunca vai encontrar furo.) 

Pesquisa Empírica 9 X Teoria 1

Enquanto no Brasil se brinca de que existem várias "escolas de pensamento econômico" (que termo horrível!),  no resto do mundo ninguém gasta saliva com isso. O negócio é analisar o dados e não há essa de se identificar como "neoclássico", "neo-desenvolvimentista" ou ˜schumpeteriano-flamenguista-vegan".
E essa tendência ficou ainda mais forte nas últimas décadas. Vejam lá: nas áreas de Economia Internacional e Desenvolvimento Econômico, a participação dos trabalhos empíricos passou de 60% para mais de 90% de trabalhos empíricos. O trabalho completo está aqui (pdf).


PS. "Ah, mas a pesquisa empírica está cheia de ideologia." dirá um chato. Eu sei. Sei também que toda bebida contém água. Mas existe uma diferença grande entre laranjada e vodka.

A moda da História Econômica

Ótima discussão do Tyler Cowen sobre as razões que fizeram a História Econômica entrar na moda.  Desde Acemoglu, Johnson e Robinson, economistas de departamentos de topo abriram os livros de História atrás de estratégias de identificação bacanas. Gostei muito do comentário do Matthew Kahn:

"Great question. Given that I have published in the Journal of Economic History, have co-authored an economic history book (see Princeton Press 2008 Heroes and Cowards) and I’m married to an economic historian [Leo: ele é marido da grande Dora Costa], I feel like I can deliver a partial answer. Great historical data is”out there” if you know where to dig. This creation of longitudinal micro data sets by using people’s names and geographical data in repeat cross-sections of data has opened many new opportunities for writing “natural experiment” papers. The field of economic history faces at least two challenges. First, at the publication stage, we are now in the “field experiment era” and economic historians have trouble running randomized field experiments! Without such a randomized research design, clever reviewers can always think of some story for why OLS’s assumption of E(U|X) does not equal zero or why IV’s assumption of E(U|Z) does not equal zero. Second, if an economy is “non-stationary” and evolving over time, then past historical relationships between say climate conditions and mortality provide an upper bound on future relationships because they under-estimate adaptation. The Lucas Critique lurks throughout when interpreting lessons for today from past events."
E gostei também dessa resposta de um tal de wiki:

"Economics is driven by technique at the upper ends. Despite the rise in economic history, the Journal of Economic History has unfortunately not risen much in status because what matters to the top guys are historical papers that have elite technical methods. Moreover — without naming names — there are plenty of articles in top 5 journals that are suspect in their historical interpretation (even by econ standards) that are well-specified technically but which would likely have been rejected by JEH. So in the end, it’s about all the things Tyler mentioned, but it’s also how econ only adopts those fields that focus on the technique of the moment. And the lack of RCTs in history as Kahn mentions, restricts how far historians can go unless they engage in the sorts of heroic efforts the current Clark medal winner has undertaken. So these are high risk, low article count career choices."

Concordo que vários papers em journals top seriam rejeitados do Journal of Economic History pelas razões certas: autores marretaram a evidência histórica ou ocultaram fatos que colocariam em risco a estratégia de identificação. E só os especialistas mesmo do assunto identificariam a malandragem. (Claro que também há razões erradas para ser rejeitado pelo JEH)Nos próximos dias,  eu vou escrever  mais sobre a minha bronca com a revolução da credibilidade na Economia.

Furtado e o filme para convencer os americanos

Celso Furtado, em A Fantasia Desfeita, escreve sobre o documentário "Brazil- the troubled land" (1961). Segundo ele, o curta -dirigido por Helen Rogers -foi fundamental para convencer a opinião pública norte-americana da importância de seu governo apoiar os projetos de desenvolvimento do Nordeste. O filme teria passado em horário nobre nos EUA com "extraordinária repercussão". Para minha surpresa, o filme está disponível no Youtube.
As imagens da família miserável e o contraste com o proprietário de terras são mesmo impactantes.

No filme, Francisco Julião é pintado como um grande líder comunista e o Furtado, como herói ("brilliant economist").  A ideia era que, ao mostrar os riscos de revolução, as propostas da SUDENE - ou seja, Furtado- seriam mais atraentes para o contribuinte americano. Ao final, o narrador defende a urgência de resultados sociais e sintetiza: "Time works for the communists, we have not lost yet. "

Novo site pessoal e visual do blog

Eu decidi ficar fora do Twitter por um mês para me concentrar em terminar uns trabalhos. Como sobrou algum tempo, eu atualizei o visual do blog e criei uma página pessoal (em inglês) no novo Google Sites.
(Usei o dlvr.it para que os post do blog sejam reproduzidos no Twitter automaticamente, sem que eu precise entrar lá para tuitar)

Inherited cultural diversity and wages in Brazil por Ehrl e Monasterio

Aqui. Abstract:
Inherited cultural diversity and wages in Brazil
This paper estimates the long-term impact of immigration to Rio Grande do Sul/Brazil on contemporary wages. Based on a unique micro-data panel that includes the names of workers, we apply machine learning algorithms to classify surnames and infer each workers’ ancestry in order to calculate the inherited cultural diversity in the workforce by municipality. We address the endogeneity of cultural diversity by using three sets of instruments: distance to settlements created by the government for non Iberian immigrants between 1824-1918, share of street names with foreign surnames and share of foreigners in 1920. Our IV-estimations prove robust to human capital differences, institutions, geography, the spatial sorting of workers based on intrinsic abilities and the diffusion of knowledge through imports. The results clearly indicate that an increase in diversity – exclusively transmitted through the share of workers with non-Iberian ancestry – leads to a positive wage externality.
Eu já apresentei o trabalho no encontro da Urban Economics Association e o Philipp apresentará nessa conferência na próxima semana.
Como sempre, comentários são mais do que bem-vindos!

PS: Eba! Marginal Revolution divulgou o paper !!!

BBC e o tamanho ótimo do Estado

BBC é uma das maiores criações da humanidade. Não dá mole para político e criou programas sensacionais como Desert Island Discs , Peel Sessions e In Our Time. Deve custar caro para o contribuinte, mas - fosse eu eleitor britânico- continuaria a apoiando.
E o Brasil? É óbvio que nosso governo não deveria ter canais públicos. Dois motivos: a) conhecendo a qualidade de nossas instituições, a chance de fazer bobagem tende a 1; b) aqui tem gente sem esgoto. Na Inglaterra, ninguém passa fome ou tem zika porque não há dinheiro público. No Brasil, sim.
Vejam o caso das políticas industriais. Sim, existem uns bons argumentos econômicos que as justificariam. Mas, tal como o protecionismo, é preciso levar em conta as condições efetivas de execução. É o mesmo ponto da Falácia do Unicórnio do Michael Munger.  Sem considerar essas restrições, o sujeito sonha em ter uma Samsung e termina com uma Sete Brasil. (Um artigo acadêmico examina exatamente a relação entre corrupção e picking the winners)
Não estou dizendo nada de surpreendente ou novo. Meu ponto geral é que a discussão sobre as atribuições do Estado deve considerar a qualidade das instituições e no nível de renda do país. (Um argumento adicional é o do Leff: como servidores públicos qualificados e honestos são raros, eles devem ser alocados nas atividades mais relevantes para o desenvolvimento.)

Sunames and Ancestry in Brazil

A PLOS ONE acabou de publicar o meu artigo:
Surnames and ancestry in Brazil
Leonardo Monasterio
 https://doi.org/10.1371/journal.pone.0176890 
Por favor, divulguem para os possíveis interessados.

"Agricultura e indústria no Brasil: inovação e competitividade"

Acabou de sair o pdf gratuito do livro escrito por meu colega José Eustáquio Vieira Filho e Albert Fishlow. Este, como todos deveriam saber, é um gigante da história econômica, fundamental na formação do Ipea e primeiro economista a chamar atenção para o aumento da desigualdade durante o milagre econômico. Já escrevi sobre ele aqui no blog.
Ainda não li o livro, mas vejam só quem o prefaciou: José Alexandre Scheinkman; Eliseu Roberto de Andrade Alves e Ozires Silva. Promete muito.

Jornalismo de dados é insuficiente (continuação)

O post anterior rendeu respostas da Tai Nalon e do Sergio Spagnuolo, que trabalham no AosFatos.
  1. Antes de tudo, eu só critico o Aos Fatos só  porque admiro o esforço e  os objetivos do projeto; 
  2. Tai Nalon, as bases utilizadas no estudo não são as mesmas. Ambas tem como fonte a Rais, mas Stein et al usaram a base da Rais identificada (também chamada de Rais-Migra) que tem os dados completos do indivíduo e do vínculo empregatício. Isso permite seguir o mesmo trabalhador a cada ano. Já o Dieese usou os dados agregados da Rais (de forma irresponsável). 
  3. O problema não é falta de dados. A Rais identificada é uma base de 70 milhões de observações por ano que permite resolver problemas empíricos bastante complicados. (A propósito, o método de identificação dos terceirizados feito por Stein et al é apropriado, na minha opinião) 
  4. Sérgio apontou que todo mundo erra, inclusive o Ipea. Ele não precisava citar artigos dos meus colegas de trabalho. Poderia citar os meus erros. Veja aqui aqui duas lambanças que eu mesmo fiz, identifiquei e corrigi. Imagine quantos erros eu devo ter deixado passar?! Além desses erros triviais, devo ter cometido muitos outros metodológicos. Contudo, isso é diferente de escrever um trabalho não-científico. Seria como comparar um erros de um astrônomo com um de um astrólogo. (Um astrólogo nunca erra, pois a astrologia já é um erro em si )  
  5.  Aí vai o meu ponto: eu não espero que jornalistas saibam dessas manhas da pesquisa empírica e das bases de dados. O meu ponto é que vocês deveriam ter o apoio de pesquisadores antes de equiparar o panfleto do Dieese e o trabalho de Stein et al. Ora, os leitores vão ao site do AosFatos pela credibilidade que vocês têm. Se o conceito de "Verdadeiro" passa a significar "há um estudo que afirma", qualquer coisa é válida porque sempre existe um estudo mal feito para ser citado. No site vocês dizem que "Verdadeiro" significa "declaração condizente com os fatos e que não carece de contextualização." O panfleto do Dieese não se enquadra na categoria. Um economista, sociólogo quant ou demógrafo bem treinado teria percebido isso imediatamente.
  6. Se a ideia do AosFatos for reproduzir as conclusões de estudos não importando sua qualidade, então sugiro que vocês explicitem isso para o leitor. Se for checar a veracidade das afirmações de políticos e autoridades, aí eu os congratulo porque é disso que o debate público precisa.

Jornalismo de dados é insuficiente

O site Aos Fatos checou se terceirizados ganham menos e comparou dois estudos. Um trabalho diz que os terceirizados ganham -24,7%; e o outro, desprezíveis -3%. O problema é que o site escolheu  dois trabalhos com rigor completamente diferente. Um foi feito pelo Dieese e só compara as diferenças entre ocupações tipicamente terceirizadas e as que não são. Isso é tão científico (ou trivial) quanto comparar o salário de pessoas que trabalham de paletó e de uniforme.
O outro estudo escolhido foi o paper de Stein et al . Este é um trabalho cuidadoso, com microdados da RAIS identificada e que usa as melhores técnicas disponíveis para tentar controlar as diferenças entre os indivíduos terceirizados e os que não o são. 
O texto do Aos Fatos dá o mesmo status a ambos estudos e faz crer que são duas visões sobre a mesma questão. Não mesmo. Claro que o trabalho de Stein et al não é definitivo, perfeito. Nenhum é, mas ele está em outro patamar de qualidade do que o panfleto - uso o termo conscientemente- do Dieese.
Sempre haverá trabalhos ruins. E os bem-intencionados divulgadores de ciência só pioram as coisas quando não separam esse joio do trigo. O público leigo fica ainda mais confuso e incrédulo.
Jornalismo de dados é uma ideia boa, um avanço, mas precisa do apoio de gente com treinamento em outras áreas e não apenas programadores ou web designers. Gente que saiba  que os dados não falam por si e precisam de alguma teoria para guiar as análises e a seleção de estudos de qualidade.

Links:
-O Roberto Ellery deu umas boas pancadas no estudo do Dieese.

Por que Tony Ramos faz propaganda de carne?

Tony Ramos nunca teve reputação de gourmet ou mesmo de churrasqueiro. Por que contratá-lo?
Vamos lá.  Os consumidores enfrentam um desafio: saber a qualidade dos produtos. Em vários casos isso não chega a ser muito complicado. Na compra de uma maçã, por exemplo,  ele examina o produto e estima a qualidade antes de comprar.
Outras vezes não é tão fácil. Pode ser que o consumidor só conheça a qualidade depois de consumir o produto (filmes, livros e a maior parte dos bens culturais), ou porque há problemas técnicos na identificação da qualidade (pense em um remédio). Nesses casos, a sociedade desenvolveu seus próprios mecanismos: críticos especializados que dizem se um livro ou restaurante carro são bons, Yelp, ou mesmo órgãos de certificação privada ou pública.
A propaganda é outro mecanismo de sinalizar qualidade. A lógica é a seguinte: a empresa gasta uma fortuna em propaganda- e geralmente alardeia o quanto gastou-  para mostrar ao consumidor: "Ei, olha só, gastei R$25 milhões para o Rei Roberto fazer propaganda da minha marca. Isso mostra que eu estou  comprometido com a minha marca. Se o produto for ruim, eu não terei como recuperar essa grana. "
Quem genialmente sacou esse mecanismo foi o P Nelson em um artigo que já completou 4 décadas:
NELSON, Phillip. Advertising as information. Journal of political economy, v. 82, n. 4, p. 729-754, 1974.
O mecanismo é perfeito? Não. A realidade recente mostrou que nem a certificação governamental, nem contratar artistas por milhões garante 100% de qualidade. Mas quem vai contratar o Tony Ramos para uma propaganda de agora em diante? Antecipando os riscos a suas imagens, os artistas serão mais cautelosos (e/ou) cobrarão mais. Será que vai surgir uma certificação privada para as carnes nacionais?
Enfim, informação assimétrica sempre existirá e não há um mecanismo só capaz de cobrir todas as situações.

Diversos

Arrow e a história econômica

O artigo se chama "Maine and Texas". Em resumo, a história econômica teria ao menos dois usos para a Economia. Um que todo mundo sabe e outro mais sutil:

  • Testar teorias;
  • Mostrar em que condições a teoria é válida.

Vale também o alerta que a aplicação da teoria econômica à história corre o risco de achatar o passado, mostrando-o como "merely a playing out of a well-defined script". 

Razão de masculinidade no mundo e nos estados brasileiros

Esse ótimo post mostra como fazer o gráfico do número de homens por mulher a cada idade por país. Fica bem claro que nascem mais homens do que mulheres e que tal taxa despenca na 3a idade. Também me chamou atenção como essa queda ocorre  mais cedo nos países ex-comunistas. Vodka e cigarros devem ser os responsáveis.


No Twitter, perguntei se alguém tinha um gráfico desses para o Brasil. O Rodrigo Godoy Conejo (@RodrigoGConejo) fez os belos gráficos abaixo. Legal ver como ainda há estados na Região Norte com perfil demográfico de regiões de fronteira, ie com mais homens do que mulheres em idade ativa.
A aumento recente da violência no Nordeste cobrou seu preço: a taxa cai bem mais rápido em Alagoas e no Ceará.
Eu só não tenho ideia do que acontece no DF. (A taxa de homicídios não é tão alta -para o padrão brasileiro-,  mas será que o setor público atrai um número extraordinário de mulheres?)



Sorte, mérito, igualdade e tudo mais

Ótimo artigo do Irineu de Carvalho Filho na coluna Por quê da Folha (eu nem sabia que ele escrevia lá!).
Os sem-folha podem (mas não devem!) usar este link.
No mesmo assunto, eu aproveito para recomendar o Up Series. São documentários que acompanham um grupo de crianças inglesas das mais diversas classes desde 1964, em intervalos de 7 anos. Lá fica clara a importância da origem, do mérito  e da sorte (ou melhor, do azar) nos destinos individuais.

Entrevista do Friedman sobre Metodologia

Aqui. Coisa fina, bastante sincera e com direito a muitas fofocas.
Vale a pena ler tudo, mas uma das melhores passagens é a sua crítica ao Mises e cia.


Has Latin American Inequality Changed Direction? Looking Over the Long Run

Editado por Bértola e Williamson, o livro da Springer está disponível para download gratuito e será a minha leitura de final de semana!
Não conheço a maior parte dos trabalhos e autores, mas destaco - entre os brasileiros- o grande mestre Eustáquio Reis e o Pedro Funari, da novíssima geração. Na verdade, tudo parece muito bacana.
(via @pseudoerasmus, melhor @ e blog de história econômica em atividade)




Diversos


Comparar documentos no LaTeX

Tão fácil que até eu consegui fazer. Ele compara dois arquivos LaTeX e cria um novo que gera um pdf bem parecido com aqueles do Word: inclusões e exclusões marcadas em cores diferentes.

  1. Instale o programa latexdiff;
  2. Coloque tudo na mesma pasta latexdiff, VersaoAnterior.tex VersaoNova.tex
  3. No Windows, crie um arquivo .bat com apenas o seguinte conteúdo:

latexdiff VersaoAnterior.tex VersaoNova.tex > NomeArqComMarcacao.tex

Rode o bat e depois compile o NomeArqComMarcacao.tex no LaTeXFica bem bonito e eu não tive qualquer problema. Caso você enfrente algum, sugiro pedir socorro a alguém com menos de 30 anos. 
(Agradeço ao  Philipp Ehrl pela dica) 

A lenda da boa telefonia estatal

Caiu nos meus ouvidos a seguinte narrativa:
"Na primeira metade do sec XX, a telefonia no Brasil era privada e ruim; a estatização a melhorou e a privatização nos anos 90 não fez diferença porque a tecnologia mudou na mesma época. "
Tendo vivido os anos 80, eu lembro da desgraça que era esperar anos e pagar milhares de US$ por uma linha. Esqueçamos as evidências anedóticas. Vejamos as taxas de crescimento linhas fixas/ capita uma década antes e uma década depois da estatização.
  • Privado (1947-1956) 4,8% a.a.;
  • Estatal (1957-1967)  4,0 % a.a.
Ou seja, mesmo quando o setor privado sofria com regulação ruim e tarifas represadas, o ritmo do crescimento foi maior do que na primeira década estatal. Sim, a telefonia privada era ruim, mas a estatização reduziu o ritmo da expansão na primeira década.
No período estatal como um todo (1947-1998): 5,2% a.a. 
Privatização-  1998 e 2002: 16.4%. a.a.
(Depois de 2002, o celular entra com força e o dado de telefone fixo fica estável).
Em suma: a narrativa dos viúvos da Telerj é furada. A estatização dos anos 50 reduziu a velocidade do avanço da telefonia e a privatização dos anos 90 fez toda diferença.
Aí vai o gráfico da relação telefones fixos por 100 pessoas. A área em cinza é o período estatal. 
















Fontes: MoxLAD para 1947- 1997 e World Bank para 1998-2014.
Nota1: Não tenho a mínima ideia do porquê da queda em 1987. Como todo dado, sugero cautela no uso.
Nota2: No período 1907-56, a taxa de crescimento foi 6.3% a.a.


Atualização

Só para avisar que tomei vergonha e atualizei as abas "Livros", "Artigos", "Capítulos" e "TDs" aqui no blog.

Diversos

Pobres querem escola

Só hoje me toquei que o resultado da pesquisa do Colistete é semelhante ao observado por Bursztyn & Coffman (JPE, 2012). Eles conduziram um experimento em que famílias muito pobres estiveram dispostas a pagar para que a frequência de seus filhos à escola seja controlada.
Quer os analfabetos do estado de São Paulo do século XIX, quer os pobres da periferia de Brasília do XXI, todos lutaram para que seus filhos melhorem de vida. Ou seja, não há problema do lado da demanda por educação. Este é o lado bom da história. O lado ruim é que - mais de um século depois - a oferta de educação no Brasil continua sendo um problema.
(A propósito, o Leonardo Bursztyn também merece um perfil em revista. Afinal, não há muitos brasileiros, professores em Chicago, com carreira internacional de DJ e que tenham criado System of a Dilma.)

Colistete e o atraso educacional brasileiro

Ficou ótima a matéria da Revista Piauí com o perfil do Renato Colistete e sobre sua tese de livre-docência (pdf).
Ele é um pesquisador sensacional, gente boa e orientador de 9 entre 10 dos novos pesquisadores em histórica econômica. Já estava no tempo de ele ter reconhecimento de um público mais amplo.
Aproveite e leia o seu blog . Quando a tese estiver on-line, eu aviso.

Local multiplier of industrial employment: Brazilian mesoregions (2000-2010)

O texto do Guilherme Macedo (hoje doutorando no Birkbeck College) e meu foi publicado no mais recente número da Revista de Economia Política.

Local multiplier of industrial employment: Brazilian mesoregions (2000-2010) 
This paper estimates the local multiplier of manufacturing for Brazil (2000-2010). The method is based on Moretti (2010) and on Moretti and Thulin (2012), who estimated these multipliers for the U.S. and Sweden. The local multiplier of manufacturing estimates the impacts of employment changes in the industrial sectors on employment in the servicessectors, and the impact of changes in employment in the high-tech and low-tech tradable sectors on employment in the services sectors. These estimates help to assess the importance of industrial employment changes over local economies. We created instrumental variables,based on the shift-share method. The employment data cover 21 economic subsectors and 123 regions in 2000, 2005 and 2010. We have estimated that in the Brazilian mesoregions, for each new job in the tradable sectors, almost four jobs were created locally in the services sectors. Additionally, each job in the high-tech industrial sectors was estimated to create approximately seven jobs in the services sectors over the long term.

Ainda na editoria de autopromoção deslavada: lembro que tiramos o 2o. lugar do Prêmio CNI com uma versão anterior desse texto. 
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