Manual / Estudo

Estudo


"Quem lê, não estuda", um professor meu dizia. Isso é a pura verdade, ficar só lendo a matéria não resolve nada. Você lê, lê, lê o mesmo parágrafo e a cabeça começa a viajar. Depois de algum tempo, você se autoengana que entendeu a matéria, mas não lembrará de nada em um par de horas. Esse princípio vale para todas as áreas, mas a tentação de só ler é maior naquelas em que dá para estudar deitado, ou seja, as ciências humanas.
Não fique só na leitura. Faça exercícios, explique a matéria para você mesmo, elabore resumos. Qualquer coisa é melhor do que só ler os textos da disciplina.
Manual de sobrevivência na universidade: da graduação ao pós-doutorado

Manual / Frequência

Frequência


A maior parte das universidades brasileiras cobra presença dos alunos de graduação. Isso não acontece nas universidades dos EUA nem da Europa (Portugal, eu não sei. Mas Portugal fica perto, porém não exatamente na Europa).
Como professor, eu tenho sentimentos opostos sobre a presença. Claro, incomoda que, nas vésperas da prova, apareça um monte desconhecidos querendo aprender o conteúdo em dois dias. Isso ocorre quando a presença não é cobrada. Por sua vez, é um tanto peculiar que adultos sejam cobrados por estarem onde escolheram estar. Os argumentos para defender a cobrança de presença são estranhos. Quando comecei a dar aulas, um coordenador me disse que eu deveria cobrar presença porque "se um aluno cometer um homicídio, ele pode usar a sua lista de chamada como prova para escapar da cadeia". Ele falava sério.
Eu recomendo que você assista à aula. Se você for estudioso, será uma oportunidade de tirar dúvidas e perceber as nuanças do tema apresentado. Se você não for estudioso, acaba aprendendo algo, nem que seja por osmose.
Na sala de aula, não tente enganar o professor fazendo perguntas vazias para ganhar pontos por participação. Isso poderia funcionar nas aulas do primário, mas a maior parte dos professores é hábil em perceber quando um aluno não leu a matéria e só quer fingir que é ativo.

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Manual / Escrita

Escrita


Alguém já disse que o texto fácil de ler foi difícil de escrever. Aqueles que dizem que "adoram escrever", raramente, escrevem bem. Escrever bem é trabalho e, como tal, não é prazeroso. Escrever é difícil porque, quando você coloca as ideias no papel, as incoerências, falhas do argumento e mesmo sua ignorância ficam claras. Escrever um texto com sentido implica em superar essas falhas. Lamento, mas essa é a dor do parto do texto, especialmente, o científico.
Sim, existem exceções: pessoas que escrevem muito bem sem esforço. Essas exceções, exceções são, ora bolas. A má notícia é que esse talento é inato. Não adianta nem tentar ser um grande escritor. Ou você nasce com o talento ou não. A boa notícia: ser um escritor bem bom é quase fácil. Basta você seguir algumas regras simples e seu texto vai ser bom o suficiente para que todos gostem.
Um texto bom convence as pessoas. O mundo é um lugar muito interessante e existem muitas coisas melhores no mundo do que ler um texto científico. Portanto, a sua primeira tarefa é capturar a atenção do leitor e convencê-lo de que o seu artigo diz algo interessante.
Para cativar o leitor, você não precisa ser um gênio da língua portuguesa. Basta que você escreva de forma clara em um texto estruturado e claro. Lembre-se: leitor descansado = leitor feliz = leitor generoso. Isso também não é fácil, mas - seguindo algumas regras (e quebrando outras) - é tarefa perfeitamente alcançável:
  • A maior parte dos textos que você gosta foi reescrita e retrabalhada várias vezes. Alguém também já disse: "Não existe texto bem-escrito, só texto bem reescrito". Não se envergonhe de fazer isso, é uma necessidade.
  • Tenha um leitor cobaia da sua área. Se ele não entendeu o texto, a culpa é sua. Repetindo: a culpa é sua. Reescreva o texto.
  • As duas partes mais importantes do seu trabalho são o Resumo e a Introdução. São nelas que o leitor vai primeiro passar os olhos para descobrir a razão de ser do seu paper.
  • O texto é escrito ao contrário da ordem de leitura. A Introdução e o Abstract são as últimas partes escritas de qualquer trabalho científico. Só depois de concluir é que você poderá dizer o objetivo do trabalho. Se você é totalmente linear e faz questão de fazer tudo na ordem, ok. Mas lembre-se que será trabalho perdido. Você terá de trocar tudo.
  • Parece uma obviedade, mas você precisa aprender a usar o seu processador de texto. Hoje é mais raro, mas era muito comum ter gente que fazia o recuo da primeira linha usando Tab ou vários espaços. Aprenda a usar os estilos do Word. Sua vida vai ficar bem mais fácil.
  • No corpo do texto, cada parágrafo deve ter uma ideia e - de preferência - ela deve ser exposta na primeira frase. A nossa professora de escola já tinha nos ensinado que para cada ideia deve corresponder um parágrafo, mas ela - talvez pensando que continuaríamos escrevendo textos narrativos como "Minhas férias"- esqueceu-se de falar desse truque da primeira frase em textos argumentativos/expositivos. Ou seja, logo na abertura o parágrafo, já deve dizer a que veio. As frases seguintes são apenas para desenvolver e detalhar o que foi dito no começo. A última frase do parágrafo é também muito importante. Ela deve retomar a ideia inicial ou abrir caminho para o próximo parágrafo. Às vezes, essa estrutura de parágrafo não vai ser possível. Tudo bem. Mas tente se obrigar a pensar no texto dessa forma.Você pode repetir palavras. Eu sei que a sua professora ensinou a evitar isso, mas é pura perda de tempo ficar buscando sinônimos para palavras que, ao longo do seu texto, têm de ser repetidas. O leitor pode até achar que você está falando de outra coisa se o sinônimo não for perfeito.
  • Fingir profundidade com frases longas e palavras obscuras ou vagas funciona com uns figurões de algumas áreas das ciências humanas. Para mim, os textos dos grandes "intelectuais" só fazem com que os meus fusíveis mentais rompam na tentativa de proteger a minha cabeça. Isso gera sono ou o desejo de incendiar o livro. Esses figurões alcançaram tanta importância que os leitores suam para entender aqueles parágrafos incompreensíveis. Como você não tem esses seguidores, o jeito é ser bondoso com o leitor e se esforçar para tornar a leitura mais fluída possível.
  • Alguém disse "escrever é cortar palavras"; É a mais pura verdade. Releia o texto e procure primeiro pelos advérbios. Eles são os candidatos a serem cortados primeiro. Eu costumo fazer uma busca por "mente" e apago os que não são essenciais. Tenha cuidado também com o "queísmo", aquela mania de colocar "que" desnecessários nas frases.

Resumo

Ao invés de começar o Resumo dizendo que:
"O tema da influência da televisão na saúde mental de adultos tem sido muito discutido ultimamente e é bastante interessante. Em vários estudos, por todo o mundo, encontrou-se evidência que a exposição... (bocejo)... (bocejo)... (ronco)".
Diga:
"Cada hora diária a mais na frente da televisão aumenta as chances de ter esquizofrenia em 16%. Esse resultado foi obtido a partir de um banco de dados com..."
Não ficou melhor?

O arquivo lixo

Uma das coisas mais preciosas quando se escreve é um arquivo chamado "lixo.docx". Quando você escreve, tem horas que você se solta e começa a ter ideias que parecem sensacionais. Depois, relendo o texto, você verá que elas não são tão boas assim. Você fica tentado a apertar o Delete, mas não quer perder o seu suado trabalho. A solução é copiar o trecho para o arquivo lixo.
Você vai notar que a mera existência do arquivo lixo lhe deixará mais solto na hora de escrever e também mais corajoso na hora de cortar o seu texto na revisão. De tempos em tempos, passe os olhos no arquivo e veja se há alguma ideia que deve ser recuperada para o texto principal ou ampliada.

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Manual / Epígrafe

Epígrafes


  • A função daquela frase entre aspas é mostrar para o leitor quem você é sem que ele tenha o trabalho de ler o texto. Capriche.
  • A melhor fonte de epígrafes está no seu próprio caderno de campo. Nas suas leituras, se você fez direito, deve haver uma frase muito boa que se encaixa bem no espírito do trabalho.
  • Eu já vi de tudo como epígrafe: trechos da bíblia, poesia e letras de música. Mas nada de pegar aquelas frases compartilhadas no Facebook com máximas atribuídas ao Gandhi, Chaplin ou ao Einstein. Por via de regra, eles não foram os culpados por aquelas frases com milhares de "Curtir". Livros de citações também devem ser evitados porque as boas frases já foram usadas.
  • Resumindo, a epígrafe é o chapéu da tese. Bem-escolhida, ela marca o seu trabalho; mal-escolhida, a epígrafe só mostra que você é um babaca.

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Manual / Email

E-mail


  • Naum ixcreva com ortografia da internet. Parece q vc eh um idiota. Huahuahahau;
  • Nunca mande aqueles e-mails com pedidos para crianças doentes, dia do amigo, correntes ou qualquer outra coisa com arquivos PPT para os pesquisadores.
  • Se for mandar mensagem para a sua lista de amigos, coloque os endereços no campo "Com cópia oculta" ou "Cco" (Bcc, se o seu programa de e-mail é em inglês). Isso impede que algum dos seus destinatários, um mais mal-educado, use a lista de e-mail que você mandou para distribuir lixo aos seus amigos.
  • Na comunicação na academia, não use endereços eletrônicos engraçadinhos ou que revelam seus desvios de personalidade. Ex.: pitbull82@hotmail; beto_flamengista@yahoo.com.br; 30cm20anosSM@uol.com.br.
  • Não use a letra maiúscula. Nunca. Quando você trava o capslock parece que você está GRITANDO. Não use o capslock, nem quando você quiser gritar no e-mail. Afinal, berrar com os outros é feio (veja a última recomendação).
  • Cuidado com o tamanho dos anexos. Depois do Gmail e das conexões de banda larga, os limites aumentaram. Como regra de bolso, sugiro 1 mega como o tamanho máximo de arquivo. Se você tem arquivos bem maiores do que isso, existem três alternativas: a) fazer o upload de arquivo para algum serviço on-line. Você só envia um link para o destinatário; b) Escrever antes para a pessoa, perguntando se pode mandar; c) Gerar um arquivo PDF. Os arquivos Acrobat tendem a ser bem menores do que os do Word, especialmente, quando estes têm gráficos, tabelas e figuras incorporados.
  • Sobre o tempo de resposta de um e-mail: para aqueles que exigem uma resposta urgente, espere até uma semana para repetir o pedido.
  • Nem pense em tirar dúvidas sobre os conteúdos da disciplinas disparando e-mails contra o professor. Marque um horário de atendimento.
  • Nunca mande algo secreto ou privativo por e-mail. Encare e-mail como um cartão postal. Tudo que você escreve não só pode ser lido por qualquer um, como pode ficar no equivalente digital de uma mesa em que todos podem ler.
  • Nunca mande e-mails quando revoltado ou bêbado. Eu sei que é difícil cumprir essa recomendação, mas tente internalizá-la com se fosse um tabu. Está com raiva? Não preencha o campo "Para", escreva com toda a fúria, mas resista a clicar no "Enviar". Guarde nos "Rascunhos". No dia seguinte, mais calmo e/ou de ressaca, as coisas terão outra perspectiva.
  • E-mails não têm tom de voz e isso pode gerar muitos desentendimentos. Ironias são imaginadas, sarcasmos lidos nas entrelinhas e desprezo entendido em frases inocentes. Às vezes, é melhor pegar o telefone e ligar para resolver a treta ouvindo a voz do interlocutor do que perder seu tempo digitando furiosamente até que tudo fique esclarecido.
  • Se você pediu alguma coisa por e-mail, e a outra pessoa fez, não esqueça de mandar um e-mail de gratidão. Mesmo que você tenha incluído um "Desde já grato" no e-mail pidão, não custa nada um "Muito obrigado" em retribuição. Se fosse ao vivo, você agradeceria. Então, não há razão para não ser igualmente bem-educado no e-mail.

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Manual / Defesas

DEFESAS

Enfim, a hora se aproxima. Você já está prestes a entregar a versão para a banca, não aguenta mais ver a cara do orientador (e vice-versa). Chegou a hora.
Fique tranquilo. Se o seu orientador aceitou que você vá para a banca existem duas possibilidades: a) Seu trabalho é no mínimo razoavelmente bom e, apesar de sofrer, você será aprovado no final das contas. Uma coisa que qualquer orientador morre de medo é de passar vergonha na frente dos colegas. b) Seu orientador é doido ou um mau-caráter (ou ambos) e quer levar você para os leões como jantar. Se isso acontecer, o que é muito improvável, você não tem muito que fazer. De qualquer modo, você vai ter de fazer o seu melhor na apresentação.
A sua defesa é tão importante quanto a sua primeira vez. E tão apavorante quanto. Outra semelhança: por mais que você tenha praticado, as outras partes são mais experientes do que você. A principal diferença – eu imagino – é que na tese ninguém estará bêbado.
Procedimentos para uma defesa feliz:
Leia o verbete Tese.
Você viu um erro horroroso depois de ter enviado a tese? Não entre em pânico. Faça uma errata e envie por e-mail para o seu orientador avaliar e encaminhas aos membros. Na hora da defesa, peça desculpas para a banca e distribua cópias da errata antes do começo da defesa. Mas isso só para erros feios mesmo. Para pequenos tropeços, deixe estar e só corrija na versão final. A banca precisa de algo para se alimentar.
Tenha uma versão da tese com a mesma paginação da que foi distribuída para a banca. Nada pior do que ficar indo e voltando nas páginas para achar o trecho que o membro da banca está se referindo.
A defesa não é o momento para sentimentalismos nem agradecimentos rasgados. Você pode ser mais informal e até contar um pouco dos bastidores e motivação da pesquisa, mas não exagere na informalidade.
Não discuta com a banca. Defenda seu ponto e o seu trabalho. Você vai ser criticado e algumas críticas serão injustas. Você não precisa sair da sala tendo convencido toda a banca de que tem razão. Esfrie a cabeça e responda sempre tentando evitar o confronto direto. Exemplo. Se o membro da banca disse uma sandice completa, ao invés de dizer: "Que absurdo! Nunca houve bobagem maior na vida", você pode dizer - sem tom de ironia: "Infelizmente, eu não conheço a literatura ou os autores que defenderam esse ponto".
Não tente responder a todas as perguntas. O normal é o membro da banca fazer as perguntas em sequência. Vá anotando e, quando for a sua vez de falar, responda aquelas que você está seguro. Às vezes, o membro da banca não entendeu um ponto trivial e vai ser fácil responder. Se for mesmo impossível saltar as questões mais cabeludas, não há problema em agradecer a "ótima" pergunta e dizer que não tem certeza para a resposta, mas que vai examinar a questão.
Curada a ressaca da comemoração, corra para fazer as correções sugeridas pela banca. Procrastinação é imperdoável nesses casos. Livre-se logo do encosto e toque a sua vida!
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Manual / DCEs e centros acadêmicos

DCEs e centros acadêmicos


Frequente o DCE se você tiver dois interesses: maconha e sexo com pessoas de hábitos de higiene pouco rigorosos. É natural que isso atraia a sua atenção durante alguma fase da sua vida (um final de semana, de preferência), mas o DCE traz riscos para a saúde. Você vai ver a barba crescer e você vai começar a achar que as camisetas do Che Guevara lhe caem bem. Se você ficar muito tempo no CA, você se transformará no homo oligo-sapiens passeatotum e em tudo aquilo que você, em 15 anos, repudiará.
Existe gente que pensa que o DCE é o primeiro passo em uma carreira bem-sucedida na política partidária. De fato, vários políticos bem-sucedidos passaram pelas reuniões esfumaçadas do DCE. Mas correlação não significa causalidade e muitos políticos fracassados, que hoje não ganham nem eleição de síndico, também passaram pelos DCEs. Politicamente, os DCEs ocupam o espectro político entre a extrema esquerda e a esquerda-que-perdeu-o-senso-de-realidade. Os que se dizem independentes geralmente não o são; são facções de partidos ou grupos que querem novos membros.
Certos DCEs perdem o senso de importância e passam a discutir a questão da Palestina e votam moções contra o imperialismo yankee durante as reuniões. Imaginem o impacto na Casa Branca quando eles souberem disso! Para entender melhor a lógica desses grupos radicais, sugiro o documentário A Vida de Brian, do Monty Phyton.
Os centros acadêmicos, por sua vez, tendem a ser mais próximos do dia a dia dos cursos e mais livres de discussões políticas. Com isso, podem ser locais interessantes e, com sorte, contribuir para a discussão e solução das questões dos cursos. Basta ter senso de ridículo e reconhecer os limites da ação dos CAs.

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Contra o Ensino de Economia

O ótimo Bernardo Guimarães escreveu um post em defesa do ensino de Economia na escola. Se entendi bem, a vantagem seria - além de fornecer a base para o aprendizado posterior-  que o curso serviria de contraponto às besteiras ensinadas em História e Geografia.
Eu sou contra a proposta por alguns motivos:
  1. Prático: qualquer tentativa de ensinar Economia terá efeitos opostos.  Dada a má qualidade das escolas do Brasil de hoje, as chances do professor só falar bobagem e o curso se transformar em pregação são imensas. Seria ótimo se vários bernardoguimarães ensinassem  Economia para os adolescentes, mas a realidade é que os professores disponíveis estariam bem aquém disso. (Sem contar que  muita gente com diploma de economista na parede não entende vantagens comparativas. E algo me diz que exatamente esses iriam para o ensino médio). 
  2. Empírico: mesmo nos EUA de hoje, onde - como lembra o Bernardo- as crianças aprendem Economia na escola, o discurso protecionista de dois candidatos presidenciais fez sucesso. Trump e Bernie falavam como se o número de empregos da economia americana fosse fixo. Se os ensino de Economia tivesse sido eficaz, os eleitores refutariam isso de imediato.
  3.  argumentum ad mccloskey: ela tem um texto chamado "Why Economics should not be taught at High School". O argumento é que a garotada não tem maturidade, nem experiência de vida para entender Economia. (Na verdade, eu não concordo. Citei só para mostrar que li o texto).
PS. Aproveitei que procurei o livro da McCloskey no google books e reproduzo o trecho importante do artigo:

Manual / Dados

Dados


Nos cursos universitários, você tem a oportunidade de aprender as técnicas apropriadas de análise estatística. Mas, às vezes, os professores se esquecem de transmitir alguns dos cuidados básicos.

Faça gráficos

Antes de começar a trabalhar, faça um gráfico dos seus dados. O primeiro motivo é que as coisas mais estranhas acontecem: erros de codificação, problemas com vírgulas, intervenção divina. Se houver valores anormais, eles aparecerão nos seus dados. Um bom jeito é fazer um histograma rápido para entender a distribuição das variáveis.
O outro motivo para fazer o gráfico é entender a relação entre as suas variáveis de interesse. O quarteto de Anscombe mostra quatro conjuntos de dados que têm média, variância e correlação muito próximas mesmo. Contudo, como é fácil ver, a relação entre as variáveis é completamente distinta. Faça então uns plots com as variáveis relevantes para o seu estudo.

Dicas gerais

Faça um arquivo de controle de seus dados, com a fonte precisa dos dados e todas as exclusões e modificações que você fez no banco de dados. Nesse arquivo liste o nome do arquivo e as alterações feitas. Com esse arquivo, você deve ser capaz de refazer todos os passos, desde os dados brutos até o resultado final.
;Aprenda a usar ao menos o básico do Excel. Mesmo que sua área seja como Literatura ou Linguística, você vai se surpreender quando descobrir suas mil e uma utilidades. Nem que seja para calcular as médias dos alunos ou para organizar as suas finanças pessoais, o programa será uma mão na roda. Usar bem o Excel deveria ser uma daquelas habilidades básicas da vida, como fritar um ovo.
Se você trabalha em uma área qualquer intensiva em dados, eu sugiro ficar bamba não só em Excel, mas no software mais popular da sua área que permita a programação. O motivo é simples: mesmo se for apenas para limpar os dados, com o código de programação, você terá o registro de todas as exclusões e modificações que fez. Além disso, você poderá utilizar novamente seu código se necessário. No Excel, caso aconteça alguma atualização, você precisará clicar-copiar-colar-deletar novamente e poderá errar no processo.

Manual de sobrevivência na universidade: da graduação ao pós-doutorado

Quanto custou o Baile da Ilha Fiscal?

A lendária @verineas fez a pergunta no Twitter e eu respondo com prazer. O jeito mais tranquilo, sem se preocupar com as maluquices da inflação brasileira, é transformar para libra, deflacionar e depois voltar para R$. Vamos lá:
  1. O baile custou 100 contos de réis (a Vera me informou). A taxa de câmbio de 1889, segundo o Ipeadata, era de 26,4 pence por mil-réis. Então 100 contos =2.640 mil pence. Aí tem uma armadilha: até 1971, o sistema monetário inglês não era decimal e havia 240 pences por libra. Logo, 2.640 mil pence = 11.000 libras (a preços de 1889)
  2. Para deflacionar a libra, basta ir no site Measuring Worth: essas 11.000 libras corrigidas pela inflação resultam em 1 milhão de libras de 2015. 
  3. 1 milhão de libras em 2015= R$4,3 milhão de reais de hoje. Se foram 4500 convidados, dá um custo de quase R$1000 por cabeça. Faz sentido.
  4.  Ou, em valores relevantes: O Baile da Ilha fiscal custou cerca de 1.075.000 churros, ou seja, 1 churros para cada habitante de Teresina e ainda sobram 307.441 para a própria @verineas.
Deflacionar valores no muito longo prazo é sempre meio questionável e talvez seja melhor comparar o gasto com o Baile mais diretamente.  Os 100 contos de réis  compravam :
- O salário anual de 500 trabalhadores de baixa qualificação (200 mil-réis anuais é um bom chute ).
- Quase 100 escravos a preços de 1885. Fonte.
(No site do Ipeadata, graças ao trabalho do Eustáquio Reis, existem outros preços que podem render boas comparações)

Manual / Congressos

Congressos


Os congressos são muito importantes, especialmente no começo de sua carreira. Eles são a oportunidade de você conhecer novas pessoas, ter uma panorâmica da comunidade e – o mais importante –perceber se quer fazer parte do meio acadêmico. Se aquele monte de gente parecida com você, discutindo os mesmos assuntos por três dias lhe agradar, é sinal que você está na carreira certa.
Alertas:
  • Tem surgido muitos congressos picaretas, com nomes bacanas (Interplanetary Conference on Technology, Media and Science) que são meros caça-níqueis e sem valor acadêmico. Orlando, Acapulco e Las Vegas são destinos comuns. Fuja disso, eles só querem o seu dinheiro. Se você quiser ir para esses lugares, use as suas férias.
  • É muito feio mandar o paper e nem ter planos de comparecer. Sua ausência é, por vezes, perdoável porque as fontes de financiamento tendem a dar a resposta muito em cima da hora. Caso você não possa mesmo ir, faça um favor aos organizadores, avise-os por e-mail assim que souber. É horrível entrar em uma sessão em que os papers são cancelados pela ausência dos apresentadores. Tumultua a ordem dos trabalhos e parece que você tratou o evento com desleixo.
  • ;No mais, divirta-se. Assista a todas as sessões. Tal com os filmes ruins, por pior que sejam as apresentações, a gente sempre aprende alguma coisa. Já as boas sessões podem ser melhores do que o melhor filme. Curta o papo no coffee break e aproveite a celebração de ter gente igual a você por perto.


Manual / Concursos para professor

Concursos para professor


Você terminou o doutorado e agora precisa ganhar a vida. O negócio é fazer um concurso para a carreira docente. Quer nas públicas, quer nas privadas a lógica é mais ou menos a mesma.
Antes de tudo, leia o edital. Leia mesmo. Em voz alta e marcando o texto. Já vi candidatos bons rodarem porque esqueceram um documento ou não viram que a prova era com consulta a livros.
Admito que existem concursos armados. Na minha área, eu já soube de alguns, mas não é um problema endêmico. Uma coisa é a banca já ter simpatia por algum candidato; outra é a mutreta esculachada. Muita gente, má perdedora, gosta de espalhar que tudo no mundo acadêmico é armação. É verdade que tem gente ruim aprovada, mas os bons sempre conseguem, cedo ou tarde, a sua posição ao sol.
Os critérios são subjetivos, então, é compreensível que, na dúvida, a banca escolha alguém que já tenha informação anterior. Daí a importância de estar bem-preparado na hora da prova, mesmo em um concurso em que há um queridinho: é muito constrangedor para a banca aprovar quem teve um desempenho evidentemente melhor do que os outros.
Uma dica para identificar se há armação é atentar para a abrangência da área. Se for algo muito específico que menos de meia dúzia entende e são todos amigos entre si, tenha certeza que é picaretagem. No outro extremo, concursos bastante divulgados tendem a ser mais honestos. Se você esbarra no anúncio do concurso em um monte de lugares, geralmente isso indica que se busca os melhores candidatos.
Na prova didática, siga as recomendações para as apresentações de congressos e uma adicional: respeite o tempo. Na maioria dos editais, existe uma definição bem rígida da duração da prova e uma banca honesta tem de tirar os pontos do candidato que perde a hora. Duas sugestões: se a sala não tiver relógio, use a) o alarme silencioso do celular no bolso da calça; b) se houver clima para tal, pergunte ao presidente da banca se ele poderia dar um aviso quando o limite mínimo e máximo se aproximassem.
Fundamentalmente: não pareça ser encrenqueiro na hora da prova. Lembre-se que a banca está escolhendo quem vai ser o seu colega por boa parte do tempo de sua vida. E nada pior do que um colega que arruma confusão nas reuniões, briga com os alunos ou com a direção. Então, nada de conflitos ou polêmicas pelos seus "direitos" com a banca. Não precisa ser humilde; basta não ter uma postura de confronto.
Por fim, mesmo que o número e a qualidade dos candidatos lhe assustem, vale a pena participar. Eu já vi candidatos ótimos ficarem de fora de um concurso porque temeram perder uns para os outros. Na hora final, só os medíocres apareceram e acabaram sendo aprovados. Na dúvida, compareça.

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Congresso Latinoamericano de História Econômica

Esqueci de postar que o congresso está rolando na USP/São Paulo! As conferências são sensacionais: Victor Bulmer-Thomas e Gareth Austin. (Na LSE, Austin era especializado em África, legal saber que ele está interessado em América Latina). 

Easterly sobre o Ha-Joon Chang

A resenha que o  William Easterly fez de um dos livros do Ha-Joon Chang é sensacional. É de 2009 e - por algum motivo - eu comi mosca. Aí vai um trecho:

Fofoca sobre o Chang. Em 2002- acho- ele apresentou em um seminário na Universidade Cambridge um paper em que dava um monte de pauladas no Banco Mundial. Não pelos motivos certos*, mas apresentando uma interpretação conspiratória do trabalho dos economistas do Banco. Para azar dele, o gigante sociólogo e gente boa Michael Woolcock estava na plateia. Na perguntas, Woolcock retrucou algo como você-me-desculpa-mas-eu-trabalho-lá-e-não-é-nada-disso. Em vez de defender o seu ponto, ele deu para trás e disse  "É..eu exagerei, nem acredito tanto assim. Foi só por retórica. " Papelão.

*Ver os trabalhos do próprio Easterly e do Lant Pritchett.


Manual / Coautoria

Coautoria


Conforme as ciências ficam mais complicadas e a especialização cresce, nada mais natural do que contar com o apoio de seus colegas de ofício. A complementaridade entre os autores faz com que você aumente a sua produtividade e dê um gás ao seu currículo.
Em certas áreas, o número de coautores ficou ridículo. Existe um texto da área de Física com 2.991 autores. Imagino que para produzir aquele punhado de páginas foram necessárias milhares de horas, em dezenas de laboratórios. Então, nesse caso, não há problema.
Qual o número ótimo de coautores? A escolha do número de coautores é complicada. Coordenar o trabalho de vários autores cresce exponencialmente, especialmente quando o texto for mesmo feito a várias mãos. E as chances de incluir um mala que vai encher o saco dos outros também cresce. Cuidado, então, ao convidar, porque desconvidar é bem problemático. Quanto mais gente no projeto, maiores as chances dos aproveitadores se esconderem na lista de autores.
Algumas áreas, geralmente ligadas às Ciências Biológicas, costumam definir muito bem quem faz cada parte da pesquisa. Tipo: Fulano matou os ratinhos, Sicrano os ressuscitou e Beltrano eliminou os ratos zumbis. Isso é uma prática bem interessante, mas pouco usual nas ciências humanas e sociais aplicadas.
A questão da ordem dos autores varia muito. Em algumas áreas, o normal é a ordem alfabética; em outras, em ordem de contribuição para o artigo. Claro que medir isso é muito complicado. Afinal, cada um tende a superestimar a sua relevância para o trabalho final e isso pode gerar conflitos.
Quando a ordem alfabética não é seguida e todos tiveram a mesma contribuição, eu sugiro privilegiar os autores que estão nas fases iniciais da carreira. Uma exceção: nos trabalhos com grandes equipes, o coordenador do laboratório costuma ser o último da lista. Ele é também o "corresponding author", ou seja, aquele que é - no final das contas – o responsável pelo artigo.
O mais normal é que o seu orientador seja coautor na sua primeira publicação. Nesse caso, a fronteira ética é tênue. Quando o orientador efetivamente participou da confecção da versão para submissão, é certo que ele deve constar como coautor. Agora, quando ele lhe orientou, mas não contribuiu com uma vírgula adicional para a versão submetida, existem aqueles que acham isso errado. Eu não vejo muito problema, afinal, ele contribuiu para o conteúdo do seu trabalho. Deixo essa discussão em aberto.

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Manual / Ciência e picaretagem

Ciência e picaretagem


Richard Dawkins, citando um editor da New Scientist.
No distante século XX, muita gente sofria de úlcera. Não só a doença era um incômodo permanente, mas também os doentes tinham dietas bem restritas e tomavam remédios diários. Para os médicos, as causas da doença eram o estresse e a alimentação inadequada. Na década de 1980, os médicos Gary Marshall e Robin Waren suspeitaram que a causa poderia ser uma obscura bactéria. Como ninguém acreditava nos pesquisadores, Gary tomou uma atitude radical (e nojenta): tomou um potinho cheio da bactéria suspeita. Bem rápido, ele ficou com uma úlcera horrorosa. Antibióticos o curaram. Em 2005, Gary e Robin ganharam o Nobel de Medicina.
Esse é um bom exemplo do sucesso da ciência. Parece até um filme ruim de Hollywood, mas é uma história real que está de acordo com os sonhos dos cientistas. Gary e Robin tinham uma hipótese que a comunidade científica repudiava, bolaram um teste que poderia mostrar que eles estavam com a razão e acabaram convencendo todo mundo.
Mas será que todo campo científico se encaixa nessa metodologia? Bem, vamos lá. O filósofo da ciência, Karl Popper – o mais influente do século XX – afirmava que hipóteses científicas são aquelas que podem ser mostradas como falsas. Se não houver jeito de mostrar que são falsas, então, não é ciência, é picaretagem. Por exemplo: uma cartomante que diz que a leitura só funciona quando o cliente tiver fé nunca pode ser desmascarada. Quando errar, ela sempre pode culpar o cliente. Um "cientista" que não tem uma hipótese testável ou arruma sempre um desculpa, sempre terá razão, assim, ganhará a discussão. Mas uma vitória em um jogo em que é impossível perder não é vitória.
Em outras palavras, na visão de Popper, uma ciência empírica deve formular hipóteses falseáveis. Deve existir a possibilidade de suas hipóteses se mostrarem falsas. "Amanhã acontecerá um eclipse do sol às 13h", é uma das coisas mais fáceis do mundo de testar.
Já as afirmações "Pena de morte para estupradores reduz o crime" ou "Vitamina C prolonga a vida" são testáveis, mas tremendamente mais complicadas de testar do que as hipóteses mais simples. Muitas outras coisas influenciam a criminalidade e a longevidade, sendo muito difícil determinar a causalidade. Em tese, os estupradores podem matar mais mulheres para que tenham menos testemunhas. Pessoas que tomam vitaminas podem ser mais cuidadosas com a sua saúde, ou mais ricas que as demais. Mesmo assim, ambas as afirmações são científicas porque podem, ao menos em princípio, serem testadas e mostradas falsas.
Já afirmações como "deus nos ama", "os sonhos são expressões do inconsciente" ou a "a luta de classes é o motor da história" não são Científicas com C maiúsculo. As pessoas que acreditam na veracidade delas não podem (e nem querem!) propor testes de suas hipóteses.
O físico Carl Sagan conta uma história que ilustra bem esse problema das afirmações não falseáveis. Um sujeito conta para um cientista que tem um dragão vivendo na garagem. O cientista diz: "Ótimo? Vamos lá ver". Aí o maluco diz: "É, mas ele é invisível!". O cientista replica: "Sem problemas, vamos jogar farinha no chão da garagem para ver as pegadas". E o doido: "Pena que o dragão só voa". Aí o cientista continua: "Vamos jogar tinta no ar!". Resposta: "O dragão é feito de um material cuja tinta não adere...".
Para cada proposta de testar a hipótese "existe um dragão na garagem", o maluco (ou picareta?) vinha com uma saída que tornava impossível testá-la. O cientista foi incapaz de provar que o dragão não existe, mas de forma nenhuma isso prova que o dragão está lá. Exatamente o contrário é verdadeiro. Uma hipótese passível de refutação é simplesmente não científica. Chame a polícia ou o hospício.
Um ponto importante na visão popperiana é que você só pode falsear ou deixar de falsear uma teoria. Por mais observações que estejam de acordo com a sua hipótese, não há como ter certeza de que se está sempre certo. Pode ser que as hipóteses sejam válidas só em algumas situações e não em outras. Veja a Física que aprendemos no ensino médio. Aquelas leis de Newton funcionam em um monte de situações. Além de lhe tirarem o sono na véspera da prova, as leis servem para calcular quantas horas vai demorar uma viagem, ou a trajetória aproximada de um tiro de canhão. Agora, as leis perdem o sentido quando tratamos do muito pequeno, ou do muito rápido. Não é que o velho Newton errou no sentido trivial do termo, mas apenas que a sua teoria tem limites de validade. Dr. Einstein e cia. tiveram de vir em socorro e ampliaram o objeto da Física.
Por mais que se tenha evidências de que uma hipótese científica é verdadeira, nunca se pode bater o martelo em favor de uma teoria. Só dá para bater o martelo "contra" uma teoria. Nunca a favor. Corte os termos "prova", "comprova" e "verifica" de seu vocabulário. Você só consegue não falsear uma hipótese. Existem profundas explicações de Filosofia da Ciência para isso, mas, por enquanto, basta você assumir a humildade científica. Lembre-se que o ser humano não passa de um macaco ridículo, medroso, em um pedaço de terra que gira ao redor de uma estrela irrelevante. Achar que você entendeu uma lei definitiva da natureza ou da sociedade seria muita pretensão.
Tem gente que diz que a psicanálise estaria no mesmo nível da cartomancia: afinal, qualquer coisa que aconteça pode ser explicada por um analista hábil. A psicanálise, junto com boa parte da Antropologia, não tem hipóteses testáveis. O negócio é interpretar os eventos dos indivíduos e das sociedades. São ciências interpretativas que não fazem previsões. Esses campos almejam dar sentido às coisas. Quando um antropólogo vê cerimônia em uma ilha perdida do pacífico, ele tenta entender qual o papel daquele ritual, interpretá-lo.
Por mais que eu seja fã da visão popperiana, penso que as antropologias ou as psicanálises da vida não devem ser rotuladas como não científicas. Tudo bem que elas não apresentam hipóteses falseáveis. Julgá-las pelas métricas da Física ou da Medicina seria maldade e rotulá-las como não científicas seria perder um tanto do conhecimento humano. Elas são outro tipo de ciência e só.
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Manual / Caderno de campo

Caderno de campo


Os antropólogos levam o caderno de campo muito a sério. Na verdade, toda a Antropologia se baseia nele. A propósito, se você é antropólogo, pule essa seção porque ela não vai lhe ensinar nada novo.
A ideia é você ter um caderno em que vai anotar, em ordem sequencial, todos os dias de pesquisa. Você escreverá aquilo que você fez, pensou em fazer, referências que esbarrou, comentários sobre artigos que leu e gostou ou não gostou. Tudo isso deve ser anotado no caderno.
Não pense que você se lembrará das suas atividades durante a sua pesquisa. Em duas semanas, os textos que você passou os olhos vão para o mesmo inacessível lugar da sua cabeça em que você guarda a sobremesa que você comeu na semana passada. Ou seja, estão perdidos para sempre. Um caderno de campo bem-mantido é como uma memória externa que lhe impede de repetir passos já dados, além de guardar aquelas ideias que parecem interessantes no momento que você as tem (se a ideia é boa, ou não, você só descobrirá depois. Mas o importante é que você a tenha por escrito). Nossa memória é tão pouco confiável que, muitas vezes, só acredito que fui eu que escrevi porque seria muito difícil acreditar que um hacker invadiu o meu computador para acrescentar trechos no meu caderno.
O caderno não é um fim em si mesmo. É só um instrumento e não vale a pena gastar muito tempo mantendo-o organizado. Usar canetas de cores diferentes para cada tipo de anotação ou fazer desenhos caprichados acabam se tornando uma forma de procrastinar o trabalho sério mesmo.
Seja, contudo, rigoroso no caderno. Imagine que está escrevendo não para você, mas para uma outra pessoa que assumirá o seu trabalho no futuro. De certa forma, isso acontecerá. O seu eu-futuro é outra pessoa, bem parecida com você, mas ele daqui a dois meses (ou dois dias) não lembrará do que você sabe hoje. Seja generoso com o seu eu-futuro. Anote tudo de forma detalhada para que ele possa refazer os seus passos, caso isso seja necessário.
Qualquer caderno serve, contanto que ele sempre esteja com você, o tempo todo da pesquisa. Eu sou a favor do caderno em espiral de tamanho médio. Os cadernos em espiral ocupam menos espaço e ficam melhor quando abertos ao lado do computador.
Uma alternativa ao caderno de campo tradicional é você manter um arquivo digital em seu notebook. As vantagens são possibilidade de backup e o uso do recurso de busca dentro do arquivo. Mas o problema é que você provavelmente não anda com o seu notebook todo o tempo. Além disso, o tempo de boot ainda é um desestímulo para que se anote isso tudo que vem a sua cabeça.
Tablets são uma opção intermediária: não servem para longas notas, mas são ágeis o suficiente.; Enfim, não existe solução única. Cada um descobrirá a melhor forma de ter um caderno de campo. O importante é tê-lo.
Manter um blog público sobre a sua pesquisa é uma opção menos desejável. Pois, além de todos os problemas do notebook e de conectividade, a falta de privacidade restringirá os seus movimentos e pensamentos. A única vantagem é que outras pessoas da blogosfera poderão lhe ajudar. De qualquer forma, converse com o seu orientador antes de fazê-lo.

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Recomendações de documentários

Esses são os documentários mais bacanas que vi no último ano:
  • Under the sun: cineasta russo foi contratado pela Coreia do Norte para fazer um filme de propaganda. Ele copiava escondido os cartões de memória, antes entregar para os censores, e conseguiu sair de lá com o material. Excelente, mas muito triste mesmo. O trailer já dá uma ótima ideia;
  • City of Gold: sobre o Jonathan Gold, crítico de comida do LA Times e ganhador do Pulitzer. Ele foi o primeiro a descobrir as comunidades de imigrantes e a escrever sobre os restaurantes locais. Na verdade, é um ótimo doc sobre a Los Angeles de hoje;
  • Iranian Ninja: as mulheres que treinam para ser ninja no Irã de hoje. Não preciso dizer mais nada.
  • Wolfpack: seis (ou cinco?) meninos e uma menina que foram criados praticamente trancados em um apartamento em Nova Iorque. Os pais esquisitões, contudo, os deixavam assistir aos filmes policiais que quisessem. A cineasta os descobriu quando os mais velhos já eram adolescentes;
  • What Happened, Miss Simone? Eu não sou sofisticado o suficiente para gostar da Nina Simone, mas o documentário é sensacional. (Só gosto das coisas mais pop, tipo: 
)

Manual / Carta de recomendação

Cartas de recomendação


Ouvi dizer que o Albert Einstein era bastante generoso. Bastava qualquer um pedir uma carta que ele fazia uma elogiando o candidato. O problema é que – com o tempo – suas cartas perderam o valor. Quem apareceria com uma carta de recomendação por ele assinada, já mostrava que era picareta.
Essa historinha reúne os problemas das cartas de recomendação. O valor da sua carta dependerá não só da reputação do professor, como também da sua reputação como fornecedor de cartas. Eu sou um feroz opositor da exigência de cartas de recomendação. Existem tantos problemas nas cartas de recomendação que, no final, não se sabe mais o que elas realmente trazem de informação sobre o candidato. Já soube até de um professor que escreveu uma carta detonando seu aluno "querido" para que ele não fosse aceito em outro mestrado e continuasse na mesma universidade.

Aos recomendados

Em geral, peça cartas para os professores com que você realmente teve contato. A carta que ele escreverá soará sincera e não uma daquelas padronizadas que os professores carentes por atenção às vezes fazem. Leve em conta a reputação e a associação do professor com o curso que você almeja. Se o recomendante for um ex-aluno, com bom desempenho, melhor ainda. Eu sei que o mundo deveria ser mais meritocrático, mas não funciona assim.
Alguns cursos pedem que as cartas sejam enviadas diretamente pelo recomendante. Nesse caso de cartas seladas, o importante mesmo é que – de jeito nenhum – você peça para ver a carta.
Outra coisa: se o professor disse que está sem tempo ou não lhe conhece para fornecer a carta, não insista. Normalmente, ele está só querendo lhe poupar de uma carta que lhe prejudicará.

Aos recomendantes

Se você é um professor produtivo, a solicitação do aluno será mais um daqueles pequenos fardos que lhe tiram a atenção. Escolher os adjetivos apropriados e as hipérboles convincentes tomará uma importante meia hora do seu precioso dia. Se o aluno é muito bom mesmo, peça para ele escrever uma prévia do texto. Depois, você poderá fazer os retoques necessários. Para todos os outros alunos, vai dar mais trabalho corrigir do que fazer uma do início (obviamente, é sempre bom ter um arquivo "carta_de_recomendacao.docx" com os clichês mais utilizados).
Para os alunos que você não conhece, ou não recomendaria, just say no. Escolha a desculpa: "Perdão, mas eu não o conheço bem" ou "Puxa, eu tenho uma briga com alguém da universidade que você quer ir e isso só lhe prejudicará".

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Manual / Brigas, críticas e debates

Brigas, críticas e debates


Bem, aí vai a minha regra:
Nunca brigue se o adversário estiver a mais de dois desvios padrão de você em qualquer dimensão: conhecimento, ideologia, inteligência ou porte físico.

Se você não sabe o que é desvio padrão, nenhum problema. Traduzindo: nunca brigue se o adversário for muito melhor ou pior do que você em qualquer dimensão: conhecimento, ideologia, inteligência ou porte físico.
Se o adversário é muito mais inteligente ou conhece muito melhor o assunto, ouça-o com atenção, faça as perguntas relevantes e aprenda. Não é vergonha. Agora, se o sujeito é burro ou ignorante no assunto, o melhor é desconsiderar. Afinal, qual é a graça de ganhar uma discussão com um cara desses? Não há jeito de se sair bem. Se você vencer a briga, você terá apenas vencido a briga com um idiota. O que, cá entre nós, não é lá grande mérito. Além disso, os observadores sensatos vão lhe julgar como covarde. Agora, se você tropeçar e perder a discussão, você terá perdido para um idiota. O que, também, não vai ficar bem para você. O melhor mesmo é ignorar as críticas cretinas. Ignorar é ignorar mesmo. Nada de ironias. Só um "É, pode ser", já basta.
No geral, lembre-se: a vida é muito, muito curta mesmo para você perder tempo com besteiras. Ao invés de desperdiçá-lo em brigas bobas, leia um livro, passeie ou sei lá... corte as unhas do pé. Certamente é um gasto melhor do seu tempo do que ficar batendo boca ao vivo ou na internet.
Brigue a boa briga pelo motivo certo e com quem merece. Se você tem razão e o adversário merece a sua energia, não hesite em defender a sua posição com neurônios e saliva. No mais, deixe para lá.
As mães ensinam que é feio criticar os outros. Por simetria, achamos que receber críticas também é ruim. Críticas são boas. São boas para quem as recebe. O espírito do argumento do John Stuart Mill para a defesa da liberdade de expressão também é válido no meio acadêmico. Se quem critica estiver certo, tenho a oportunidade de corrigir os erros. Se quem critica estiver errado, sou obrigado a organizar o meu argumento para melhor rebatê-lo. De qualquer forma, só saio ganhando.
Trabalho bom é criticado. Trabalho ruim é ignorado. Nada mais triste do que apresentar algo e provocar apenas o tédio e o silêncio da plateia. Não ter críticas significa que tudo está tão errado que nem vale a pena sugerir ou questionar. Ser criticado é bom, porque significa que o seu trabalho chamou a atenção de alguém. Ouça, pense e incorpore se considerar necessário.

Crítica externa

Imagine que você é um biólogo e tem de explicar a existência do ornitorrinco. Um bicho com bico de pato, bota ovos, mas amamenta... é mesmo uma bizarrice. Aí você baseia a sua argumentação nos mecanismos darwinistas de seleção natural e no meio ambiente, que permitiram que o bicho evoluísse na Oceania. No final das contas, o público entende que o ornitorrinco até que não é um absurdo. Então, um sujeito lhe interrompe e diz: "sua apresentação está toda errada. Todos nós sabemos que o ornitorrinco é a prova de que deus tem senso de humor".
Contra uma crítica externa como essa, a sua resposta adequada é: próxima pergunta. As pessoas envolvidas em qualquer brincadeira compartilham pressupostos, raramente explicitados. A pesquisa dentro de uma linha de pesquisa se dá sem que esses pressupostos, as regras do jogo, sejam discutidos a cada trabalho. No caso do ornitorrinco, a regra implícita é: "não use a hipótese de que deus existe. Ser criticado por não segui-la é mais ou menos como dizer para um maratonista "Por que você não usou uma bicicleta?".
Meus exemplos são exagerados, mas eu preciso deixar claro o porquê das críticas externas serem tão pouco relevantes. Se você estiver apresentando um trabalho com base marxista, de que adianta alguém dizer que não concorda com a ideia de luta de classes? Se você é analista freudiano, imagine o absurdo de alguém questionar a existência do superego. Infelizmente, ainda se ouve muita crítica externa nos debates. Quem a faz, não entendeu que a conversa acadêmica fica travada se os pressupostos forem discutidos a cada instante. Se não concordam com as hipóteses básicas, busquem a sua própria turma ou criem a sua própria brincadeira, com suas próprias regras. Boa sorte, mas não encham o saco.

Crítica "Por que você não fez o trabalho que eu queria?"

Nesse caso, apesar de muitas vezes ser uma crítica interna, quem a faz quer que você responda a uma pergunta de pesquisa diferente daquela que você respondeu (ou tentou responder). Ou seja, quem a faz propõe que você faça outro trabalho. Nada contra alguém sugerir os próximos passos da pesquisa, minha bronca reside no tom de crítica. A resposta padrão é: "Obrigado pela sugestão" e bola para frente.

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Por quê - divulgação + uma crítica séria e outra não.

O canal do Youtube Por quê: economês em bom português, tocado pelo Carlos Eduardo Gonçalves, é o melhor canal de divulgação de Economia nacional e deveria ser mais assistido. O site do projeto está aqui.
  • Crítica séria (mas nada grave!) : no vídeo sobre as Escolas Econômicas, o Carlos meio que associa a história à heterodoxia. Ele sugere uma oposição entre quem usa história e quem usa métodos modernos para analisar as questões econômicas. Na verdade, não existe essa dicotomia. Justamente, o que está em voga é olhar para a história econômica e aplicar tais métodos modernos para entender temas relevantes. É verdade que no Brasil tem mais historiador econômico heterodoxo, mas isso não acontece no resto no mundo.  Tenho certeza que o Carlos sabe disso, mas o novato em Economia pode ficar com a impressão equivocada ao assistir ao video.
  • Crítica não séria: um problema menor com todos os canais de divulgação de Economia no mundo é que os apresentadores "têm o rosto perfeito para trabalhar no rádio". (Eu - quem me conhece sabe- também seria vítima dessa crítica se tivesse um canal!).  Como as chances de conseguir a Winnie Cooper como professora são remotas,  melhor seria se  usassem animações simples como o CGP Grey, mas isso - imagino - deve ser muito caro e trabalhoso.
No mais, eu parabenizo e desejo muito sucesso para o projeto!

Manual / Bolsas

Bolsas


Este verbete não é exaustivo. Seria impossível tratar de todas as bolsas, pois existem uma miríade de modalidades com requisitos e objetivos distintos. E os regulamentos mudam todo o tempo. Um bom jeito de ficar atualizado é dar um pulo na pró-reitoria de pesquisa de sua universidade e pedir informações sobre as novidades. Tratarei então das modalidades mais comuns de bolsas.
Os principais financiadores de bolsa brasileiros são a CAPES e o CNPq. É uma esquisitice que dois órgãos federais, sediados em Brasília, tenham funções sobrepostas. Fazer o quê? Então, em algumas modalidades de bolsa, você terá de fazer o procedimento de solicitação em duplicata.
No estado de São Paulo, existe a FAPESP que tem uma parcela polpuda do orçamento estadual e nada em dinheiro. Já foi melhor, mas ainda continua bastante generosa. Além disso, a FAPESP tem uma institucionalidade que a torna mais protegida das variações da política estadual. As outras fundações estaduais de amparo à pesquisa oscilam entre a penúria e a falência completa (ok, exagerei).

Graduação

A bolsa mais frequente é a Bolsa de Iniciação Científica, vulgo IC. A grana é curta (veja aqui os valores das bolsas do CNPq no Brasil), mas pode ser uma boa se você tiver um bom orientador como professor.
A principal função da bolsa é dar um gostinho de realidade à vida acadêmica. Normalmente, seu trabalho de pesquisa será o mais braçal, repetitivo e tedioso possível. Se, mesmo assim, você continuar com interesse em pesquisa, é porque você nasceu para a vida acadêmica.

Pós-graduação

Em um curso bom de mestrado ou doutorado, a sua vida será como a de um monge da Idade Média. Muito estudo e nada de luxo. A bolsa vai contribuir para isso. Você não morrerá de fome, mas a grana é curta.
As instituições de fomento podem pagar as taxas escolares do curso. Você se livra do encargo financeiro, mas fica sem o dinheiro no bolso e precisará recorrer a outras fontes de renda. Mas, mesmo em instituições privadas, existem modalidades em que você também terá seu próprio sustento.
Em geral, não desista do curso de seus sonhos porque você não ganhou a sonhada bolsa. A minha experiência mostra que o inesperado acontece e uma bolsa pode cair no seu colo. Às vezes, o curso recebe bolsas extras de alguma instituição de fomento ou algum aluno-bolsista desiste do curso ou quiçá sofre um acidente suspeito (mas sem testemunhas, viu?). O importante é não desistir.

Pós-doc

Ao contrário do que alguns gostam de afirmar, o pós-doutorado não é um título. Significa apenas que você foi professor visitante (ou alguma denominação semelhante) em outra universidade no exterior, normalmente com bolsa brasileira. Se alguém se apresenta como "pós-doutor" como se fosse título acadêmico, desconfie.
Fora do Brasil, o pós-doc é atribuído ao pesquisador que defendeu o doutorado, mas, como ainda não conseguiu ingressar na universidade desejada, conseguiu uma bolsa temporária para continuar na vida acadêmica e na pesquisa. Lá fora, o status do pós-doc é bem baixo. No Brasil, o pós-doutorado com esse caráter está sendo chamado de "pós-doutorado júnior" pelo CNPq; a FAPESP também tem essa tradição.
É muito bom cursar o pós-doutorado (no sentido de já-tenho-uma-carreira-e-tenho-de-me-atualizar). Você será tratado como um professor na universidade de destino e terá todas as regalias. Pode assistir aos cursos, aprender com os colegas e se envolver nas pesquisas livremente. Além disso, você não precisará defender uma tese ao final, apenas fazer um relatório de pesquisa ao final da bolsa.
Uma nota: a CAPES e o CNPq não pagam mais as taxas que os cursos por vezes cobram. Normalmente, você pode negociar uma taxa mais baixa, lembrando ao curso que você pagará com os seus próprios recursos. Mas, de qualquer forma, é prudente incluir tais taxas no seu orçamento sobre os custos do período no exterior.

Produtividade em pesquisa

Essa é a bolsa para aqueles pesquisadores mais produtivos na área. Os critérios variam muito entre as áreas. Os comitês das áreas mais sérios têm critérios objetivos baseados na produção científica dos pesquisadores. Outros comitês estão, aos poucos, deturpando os critérios da bolsa de produtividade, incluindo até pontos para atividades administrativas. Isso é uma forma de favorecer a velha-guarda. Como diz o bordão do meu amigo Mauro: "O problema do ser humano são as pessoas".
A bolsa nível 2 é a inicial do pesquisador. Se ele continuar ralando e publicando, passa para 1D e assim por diante até 1A. Ninguém fica rico com os valores pagos, mas o status realmente conta. Nas bolsas do tipo 1, o melhor é que existe a "taxa de bancada", ou seja, uma grana para gastar em qualquer atividade de pesquisa que o bolsista quiser.

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Manual / Blogs, Facebook, Twitter e o que mais vier

Blogs, Facebook, Twitter e o que mais vier


Se você usa as redes sociais para contar as suas taras, perversões, manias ou para arrumar mulher/homem, use um pseudônimo. Seria vergonhoso alguém buscar seu nome em "busca de informações profissionais e acadêmicas" e cair num grupo do Facebook: "Sou picareta, e daí?" ou "Satanistas também são gente" ou "Adoradores dos Ursinhos Carinhosos". Tente separar o seu lado Dr. Jekyll do Mr. Hide o máximo que puder. Abrir seu coraçãozinho nas redes sociais pode trazer muitos pages hits e amigos, mas acabará com a sua reputação.
Note que eu sugeri usar um pseudônimo e não usar aqueles recursos de só compartilhar com certos grupos. Seres humanos são dose e sempre arrumam um jeito de fazer com que vazem as informações que você divulga apenas para um círculo restrito. Se você compartilhou sua opinião com uma pessoa só que seja, ela deixa de ser segredo. O ideal seria que você nem estivesse na internet, mas se não resiste à tentação, use um pseudônimo.
Mesmo que você use as redes sociais apenas para fins acadêmicos, pense bastante no que vai escrever. Você escreve para a posteridade. Tudo ficará na internet para sempre. O teste é: será que existe alguma possibilidade, remota que seja, em algum universo real ou alternativo, de que isso possa trazer algum problema para o meu futuro? Bem, se você pensou nessa possibilidade é porque ela existe, então, desista de escrever e vá tomar um ar.
Eu tenho o blog http://lmonasterio.blogspot.com. Manter um blog tem muitas vantagens. Torna você conhecido no seu mundinho. Já fiz contato com muita gente que foi importante na minha carreira através do meu blog e acho que valeu para divulgar o meu trabalho (inclusive este livro). Outra vantagem é que o compromisso de postar todo o dia lhe dá uma prática de escrita e uma disciplina que podem ser úteis em outros momentos da vida.
Tem até gente que ganha dinheiro com blog. Perca as esperanças de conseguir isso e ter uma carreira acadêmica. Os raríssimos que porventura conseguem isso, geralmente, já tinham carreiras consolidadas ou acabam saindo dos temas acadêmicos para atrair mais público.
A grande desvantagem de um blog e outras coisas do gênero é que eles são os desperdiçadores de tempo perfeitos (veja o verbete procrastinação), mas nesse caso específico, um limite autoimposto de tempo pode ser útil. Se não der certo, desista do blog. Faça um post dizendo que o seu compromisso com a vida acadêmica está lhe tomando todo o tempo e que você não tem mais como postar com frequência. Pronto, você estará livre.

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Manual / Bibliotecas e bibliotecárias

Bibliotecas e bibliotecárias


A biblioteca não serve apenas para encontrar os livros/textos recomendados pelos professores. Por pior que seja a sua biblioteca, uma caminhada entre as estantes resulta em uns achados se você gastar algum tempo folheando os livros relacionados à sua área de interesse. Como os livros são organizados por tema, os livros das proximidades do buscado podem resultar em boas surpresas. Nem tudo está na internet e, às vezes, um bom e velho livro, com mais ácaros do que uma múmia, é o que se precisa.
A biblioteca é também o lugar para começar a busca pelos itens difíceis. Ao invés de ficar "googlando" e tentando encontrar o PDF em um daqueles sites de livros piratas, vá para a biblioteca. O COMUT, um programa de empréstimos entre bibliotecas, permite que você tenha acesso a livros do Brasil inteiro. Comece no site do IBICT (http://www.ibict.br/) para buscar em catálogos de diversas bibliotecas ao mesmo tempo. Uma vez tendo encontrado as referências, procure as bibliotecárias.
Falando das bibliotecárias. Tenha muito respeito por elas. Com rigor, amor aos livros, apego à organização e óculos fora de moda, elas protegem a civilização dos bárbaros. Minha experiência mostra que elas são ótimas pessoas, dispostas a ajudar e que amam os livros acima de tudo. Faça a sua busca, tente aprender a lógica da biblioteca sozinho, mas, se não conseguir, peça ajuda.
Cultive a amizade com a bibliotecária da sua faculdade. O motivo principal é que elas merecem, mas também porque, com a amizade, elas podem retribuir e quebrar alguns galhos. Elas podem se dedicar mais à busca daquele livro difícil, encontrar o paradeiro daquele livro que deveria estar na prateleira e que algum aluno ogro pôs na estante errada, ou – quem sabe – até perdoar uns dois dias de atraso na entrega do livro.
Uma dica para os professores: depois que os periódicos ficaram disponíveis on-line, notei que as seções com journals são um ótimo lugar para se esconder e trabalhar em paz quando você estiver na faculdade. As chances de um aluno aparecer por lá são levemente superiores as chances de um milhão de macacos datilografarem um trabalho de conclusão aceitável. Ou seja, possível, mas improvável.

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Diversos: só história econômica

Manual / Backups

Backups


Faça muitos backups. Shit happens. Eu tenho a crença mística de que quanto mais backups, menor é a chance dos problemas ocorrerem. A frequência ideal, obviamente, depende do quanto está em risco. Salvar enquanto você está trabalhando deve ser tique, uma mania, um hábito que você faz a cada quinze minutos (tenho algo contra o autossalvamento do Word. Talvez, porque não goste do meu computador fazendo as coisas por mim). No final de um dia de trabalho, recomendo um backup para um pen drive e para um serviço on-line ao fim de cada dia ou dois dias.
Backup on-line é muito importante por mera questão de segurança. Se você for roubado, um raio cair em sua casa ou um rinoceronte destruir o seu notebook, seu precioso trabalho estará a salvo em algum computador no sul da Califórnia. Hoje, recomendo o Dropbox. Ele cria uma pasta no seu HD sincronizada automaticamente entre todos os computadores. E, quando você estiver off-line, a pasta é acessada sem qualquer problema também. Funciona em todo o tipo de sistema operacional, é gratuito, fácil de usar e você até esquece que ele existe. O Google Drive tem a mesma funcionalidade, mas tem um probleminha: não dá para instalar no computador da sua empresa. Já o Dropbox é instalado mesmo se você não possuir privilégios de administrador do Windows. Ao mesmo tempo, você não pode contar apenas com os serviços on-line. Perder uma senha ou a falência de uma empresa são possibilidades concretas. Assim, tenha cópias em sua casa, on-line e durma tranquilo.
Apesar de a tecnologia ter evoluído, ainda acho melhor você seguir o seguinte padrão nos seus arquivos pessoais: nome_arquivo_AAMMDD.doc. Ou seja, Monografia_Cap1_090330. Ou seja, esse é o arquivo do capítulo 1 da monografia que foi gravado no dia 30 de março de 2009. De início, parece esquisito, mas a vantagem é que você pode ver instantaneamente qual é a data da versão e – ao mesmo tempo – reduz os riscos de gravar uma versão antiga em cima de uma mais nova.
Resista à tentação de denominar os arquivos como "Tese_final.doc". Por experiência própria, você, em breve, verá surgir arquivos como "Tese_final2.doc", "Tese_final3.docx" e o clássico "Tese_final_versao_muiiitofinal_mesmo_agora paravaler_2.docx".

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Manual / Aulas

Aulas


Para os alunos

No cursinho, você estava acostumado com aquelas aulas show, músicas e piadas. Na faculdade, você não encontrará nada disso. Uma boa parte das aulas será muito chata mesmo.
Acredite se quiser, professor universitário é o único tipo de professor que pode entrar em sala de aula sem nunca ter tido uma aula de didática. Depois de escrever uma tese, ele passa em um concurso com uma prova didática que só testa se ele conhece o conteúdo, não é louco e pronto. Quando acorda, ele tem sessenta pré pós-adolescentes na sua frente e tem de entretê-los por quatro horas. Essa falta de preparo explica uma parte daqueles péssimos professores que você terá de enfrentar. Aqueles que dão boas aulas apenas copiam os melhores professores que tiveram ou são intuitivos.
Em algumas áreas, é bem-aceito fazer rodinhas de alunos para discutir o tema. Eu ainda não vi qual é o valor didático disso. Uma coisa é ter um debate para valer, em que todos leram os textos relevantes e estão prontos e motivados a debater. Outra é usar o tempo de aula para papos-cabeça intermináveis nos quais trocam-se preconceitos e visões confusas sobre o universo e tudo que o cerca. Na hora, pode parecer divertido, mas você verá que esse é o método de enrolação ensino dos piores professores.
Eu sei que, frente às aulas chatas, a tentação para ficar no YouTube é grande. Contudo o professor, lá na frente, sabe muito bem diferenciar a cara de quem está tomando notas relevantes daquela de quem está matando tempo com o último vídeo viral. Você não está em um cinema, e sim em um teatro. Cada conversinha, cada risada serão registradas. Ele vê tudo, ora bolas. Se você se importa com a imagem que o professor tem de você, evite esse comportamento.
A única coisa que eu sempre perdoo dos alunos é o sono em sala de aula. Eu mesmo dormi em ótimas aulas e em palestras dos melhores pesquisadores. Ademais, quem já não dormiu no cinema, vendo uma produção de milhões de dólares?

Para os professores

Uma piada entre professores: "Sabe qual é a diferença entre o professor e o aluno? Uma hora". A piada é tão sem graça quanto verdadeira (ao menos de vez em quando). Por vezes, os professores têm de ensinar uma matéria que nunca estudaram ou mesmo viram. Da mesma forma que um músico de banda de baile consegue aprender uma música nova rapidamente, um professor "auleiro" facilmente pega a manha de aprender um novo ponto. Se ele é meio procrastinador, acabará deixando para preparar a aula na última hora.
Superestime o tempo de aula. Nada pior do que ver o seu material terminar na metade da aula e você ter de ficar embromando o resto do tempo, ou ser obrigado a fingir uma apendicite. Com a experiência, você se tocará que a sua produtividade aumenta, ou seja, você conseguirá transmitir o mesmo conteúdo em menos tempo. Você evitará aquelas explicações mais enroladas e com maior possibilidades dos alunos (e você) se perderem. Isso, óbvio, cria o problema de tornar a sua aula mais curta. Oh, o preço do sucesso... Nenhum problema, nessa hora, você já pode utilizar o tempo para outras atividades: piadas, comentários sobre atualidades e embromações em geral.
Sempre, fale olhando para os alunos. Se você precisar ler algo no quadro ou no projetor, leia em silêncio, vire-se e, só depois, fale com os alunos. Ler olhando para o quadro não funciona e só sugere insegurança, assim, você perderá o seu público.
Quando surgir um questionamento ao qual você não saiba responder, diga que não sabe e que responderá na próxima aula. Note: você verá que isso será um evento raro mesmo. A maior parte das perguntas se repete ou é muito maluca mesmo. Nas perguntas repetidas, finja que está ouvindo a pergunta pela primeira vez e responda como se você fosse muito sábio. Já para os malucos e suas perguntas, o negócio é segurar o riso e trazer a pergunta para o mundo dos normais. Resista, igualmente, à tentação de brigar ou ridicularizar.
Você também terá de decidir qual será o seu personagem como professor. Como sabemos, os tipos de pessoas no mundo são limitados. As pessoas mudam de aparência e de endereço, mas existe um número limitado de personalidades na Terra para escolhermos. Quando se trata da escolha do seu personagem como professor, o número de modelos é bem mais restrito.
Existem dois tipos de professor que vale a pena evitar, quer como professor, quer como aluno. Um é o deslumbrado com o poder que possui. É um poder limitado ao número de alunos e ao semestre que eles estão cursando, é bem verdade, mas é poder. Mais poder do que qualquer um de nós está acostumado a exercer. Alguns – inexperientes e/ou com problemas de caráter – divertem-se exercendo esse poder de forma destrambelhada. Viram pequenos hitlers, mas sem a Polônia para invadir, passam a exercer seu sadismo com os alunos. Eles são reconhecidos porque ficam tristes quando um aluno vai bem na prova.
No outro extremo da distribuição, estão os professores populistas. Tal como os políticos em campanha, esses usam as benesses para encobrir o verdadeiro desinteresse pelos alunos, sua carência afetiva ou ambições na política universitária. Distribuem nota dez, gostam muito de ouvir os alunos e adoram uma autoavaliação. No fundo, não têm nada o que ensinar. Fique longe.
Felizmente, os dois tipos são os casos raros. Em geral, vale o segredo. Enfim, os professores exigentes o são porque consideram que isso é o certo. Ele foi pago para ensinar um conteúdo e espera que os alunos tenham aprendido. Para um professor normal, nada mais triste do que corrigir uma prova ruim e descobrir que não foi totalmente bem-sucedido na tarefa. O que os professores mais novos não percebem é que – por melhor que seja a sua aula – sempre haverá um conjunto de alunos que se nega a aprender.
Um alerta final: ao menos 1% da humanidade é composta por doidos de pedra. O mesmo acontecerá com os seus alunos. Como você lidará com muita gente, é certo que algum cruzará seu caminho e, com um pouco de azar, algum cismará com você. Tente evitá-lo ou ao menos nunca ficar sozinho com ele. Lamento, mas não há nada mais para fazer aqui. Talvez, uma oração ou um despacho, mas não garanto que funcionem.
Manual de sobrevivência na universidade: da graduação ao pós-doutorado

Manual / Apresentações

Apresentações em congressos e seminários


  • Conheça o seu público. Cada grupo tem a sua cultura. Na Administração de Empresas, o objetivo é entreter o público. Já se você for um filósofo, sua meta é entediar o público, fazendo com que uns dois ou três membros da plateia pensem seriamente em suicídio. Sério, uma das funções das apresentações é mostrar que você entendeu as regras do grupo acadêmico e está pronto para ser aceito. Então, antes de qualquer uma das apresentações, sugiro que você assista um bom número de apresentações dos outros membros mais experientes da tribo.
  • Ensaie, ensaie, ensaie. Até escola de samba ensaia, por que você não iria ensaiar? É ensaio mesmo, não vale ensaiar na sua cabeça. Tente reproduzir as condições reais da apresentação. Nas primeiras vezes, você vai "sair do papel" para consertar uma coisa ou outra da apresentação. Tudo bem. O importante é fazer ao menos dois ensaios integrais, sem interrupção. E sempre com o relógio. Se tiver plateia simulada, melhor. A sua família e os entes amados existem para isso.
  • Chegue bem antes e teste a apresentação em Powerpoint. O melhor é você gravar o arquivo no desktop e dar uma passada rápida nos slides. Quando o público chegar, parecerá que você é o anfitrião, e eles vieram só para lhe ver.
  • Seu objetivo máximo é persuadir a plateia de que o seu trabalho é supimpa. Primeiro, você tem de convencê-la que ele trata de algo relevante ("ora, pois nunca pensei que o preço da goiabada em Vassouras, durante o século XVIII, fosse tão interessante", dirão alguns). Depois, você tem de mostrar que o que você tem a dizer é importante ("quer dizer que a goiabada caiu de preço! Quando eu poderia imaginar isso!"). Não os entedie com detalhes irrelevantes (mantenha apenas os detalhes irrelevantes pitorescos). A pergunta que você tem de se fazer é: "O que tenho de interessante para dizer" (não apareceu nada? ... reformulando: "O que tenho de menos desinteressante para dizer?")?
  • Enfatize o que você tem de novo e não se preocupe com os detalhes dos métodos. Quem os conhece não precisa que você explique, e quem não conhece não aprenderá na sua apresentação.
  • Não é fraqueza assumir os seus erros e possíveis omissões. Mas, tal como na sua vida pessoal, isso deve ser mais um sinal de autoconhecimento do que autodepreciação real.
  • É legal mostrar que você teve um trabalhão, mas isso deve ser feito da forma breve e discreta. É melhor dizer: "após rodar dois milhões de regressões..." do que mostrar dez tabelas com os resultados das dez regressões.
  • Imprima uma versão para ser lida no tempo que lhe foi atribuído. Caso tudo dê errado e você surtar, resta sempre a alternativa de sentar e ler. Vai ficar parecendo que você é um filósofo.
  • Não responda uma a uma às perguntas do debatedor. Deixe que ele faça todas e vá tomando nota. Quando ele terminar, agradeça e responda só o que você quiser/souber. Ninguém vai perceber. Se não der certo, você tem dois estratagemas: a) "ótima pergunta/sugestão, incorporaremos esse debate em uma versão posterior"; b) "Essa é uma ótima pergunta, mas exige uma resposta longa. Poderíamos discutir na hora do cafezinho" (fuja sem olhar para trás).
  • Muitas vezes, tem um velho louco aposentado, um militante ou um desocupado na plateia. Ele fará um longo discurso e umas perguntas sem pé nem cabeça. Segure o riso, agradeça e desconverse.
  • Roupas: respeite a linha geral da sua tribo e da ocasião. O meu conselho é tão verdadeiro quanto inútil: "esteja um pouco mais formal do que a plateia". Se todo mundo está de camiseta e jeans, vá de camisa social e jeans. Se todo mundo está de camisa social e jeans, vá de calça social. Se todo mundo está de paletó sem gravata, vá com gravata. Se todo mundo está com paletó escuro e gravata, você se enganou e está em um enterro. O problema óbvio desse conselho é saber como os outros estarão vestidos. Na dúvida, pergunte ao seu orientador ou a alguém mais experiente. Eles não vão rir de você.
  • Fique tranquilo. A plateia é ignorante (ao menos do assunto do seu paper) nem tão interessada assim. Você conhece as limitações do seu estudo melhor do que ninguém (mesmo que ambas as afirmações sejam falsas, é melhor se autoenganar). Na verdade, eles estão ali porque o ar-condicionado está bom, o coffee break está ruim, ou porque estão esperando outro trabalho.
  • Imprima um número de cópias bem menor do que o esperado na plateia. Umas oito cópias são suficientes.

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Manual / Agradecimentos

Agradecimentos


Junto com a epígrafe, os agradecimentos são a seção mais lida de todo o trabalho. Para não esquecer o nome de alguém, crie um arquivo "Agradecimentos.docx" para ir depositando o nome das pessoas que o ajudaram ao longo trabalho. Seja generoso, mas também não precisa lembrar-se daquela tia legal que trocou as suas fraldas.
Escreva o texto final dos agradecimentos naquele dia em que você está sem ânimo para trabalhar de verdade, ou seja, escrever o corpo do texto. Eu sugiro omitir os agradecimentos da versão que você submeterá à banca. É esquisito você agradecer por algo que – ao menos formalmente – ainda não se sabe se foi bem-sucedido. Se você incluir na seção de agradecimentos o nome dos membros da banca, parece puxa-saquismo. Por sua vez, uma seção de agradecimentos sem o nome de um dos membros pode abalar os corações mais sensíveis. Então, só a versão finalíssima, aquela com capa dura, deve conter a seção de agradecimentos.
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