Manual / Brigas, críticas e debates
Brigas, críticas e debates
Bem, aí vai a minha regra:
Nunca brigue se o adversário estiver a mais de dois desvios padrão de você em qualquer dimensão: conhecimento, ideologia, inteligência ou porte físico.
Se você não sabe o que é desvio padrão, nenhum problema.
Traduzindo: nunca brigue se o adversário for muito melhor ou pior do que você em
qualquer dimensão: conhecimento, ideologia, inteligência ou porte físico.
Se o adversário é muito mais inteligente ou conhece muito
melhor o assunto, ouça-o com atenção, faça as perguntas relevantes e aprenda.
Não é vergonha. Agora, se o sujeito é burro ou ignorante no assunto, o melhor é
desconsiderar. Afinal, qual é a graça de ganhar uma discussão com um cara desses?
Não há jeito de se sair bem. Se você vencer a briga, você terá apenas vencido a
briga com um idiota. O que, cá entre nós, não é lá grande mérito. Além disso, os
observadores sensatos vão lhe julgar como covarde. Agora, se você tropeçar e
perder a discussão, você terá perdido para um idiota. O que, também, não vai
ficar bem para você. O melhor mesmo é ignorar as críticas cretinas. Ignorar é
ignorar mesmo. Nada de ironias. Só um "É, pode ser", já basta.
No geral, lembre-se: a vida é muito, muito curta mesmo para
você perder tempo com besteiras. Ao invés de desperdiçá-lo em brigas bobas,
leia um livro, passeie ou sei lá... corte as unhas do pé. Certamente é um gasto
melhor do seu tempo do que ficar batendo boca ao vivo ou na internet.
Brigue a boa briga pelo motivo certo e com quem merece. Se
você tem razão e o adversário merece a sua energia, não hesite em defender a
sua posição com neurônios e saliva. No mais, deixe para lá.
As mães ensinam que é feio criticar os outros. Por simetria,
achamos que receber críticas também é ruim. Críticas são boas. São boas para
quem as recebe. O espírito do argumento do John Stuart Mill para a defesa da
liberdade de expressão também é válido no meio acadêmico. Se quem critica
estiver certo, tenho a oportunidade de corrigir os erros. Se quem critica
estiver errado, sou obrigado a organizar o meu argumento para melhor rebatê-lo.
De qualquer forma, só saio ganhando.
Trabalho bom é criticado. Trabalho ruim é ignorado. Nada
mais triste do que apresentar algo e provocar apenas o tédio e o silêncio da
plateia. Não ter críticas significa que tudo está tão errado que nem vale a
pena sugerir ou questionar. Ser criticado é bom, porque significa que o seu trabalho
chamou a atenção de alguém. Ouça, pense e incorpore se considerar necessário.
Crítica externa
Imagine que você é um biólogo e tem de explicar a existência
do ornitorrinco. Um bicho com bico de pato, bota ovos, mas amamenta... é mesmo
uma bizarrice. Aí você baseia a sua argumentação nos mecanismos darwinistas de
seleção natural e no meio ambiente, que permitiram que o bicho evoluísse na
Oceania. No final das contas, o público entende que o ornitorrinco até que não
é um absurdo. Então, um sujeito lhe interrompe e diz: "sua apresentação
está toda errada. Todos nós sabemos que o ornitorrinco é a prova de que deus tem
senso de humor".
Contra uma crítica externa como essa, a sua resposta
adequada é: próxima pergunta. As pessoas envolvidas em qualquer brincadeira compartilham
pressupostos, raramente explicitados. A pesquisa dentro de uma linha de
pesquisa se dá sem que esses pressupostos, as regras do jogo, sejam discutidos
a cada trabalho. No caso do ornitorrinco, a regra implícita é: "não use a
hipótese de que deus existe. Ser criticado por não segui-la é mais ou menos
como dizer para um maratonista "Por que você não usou uma bicicleta?".
Meus exemplos são exagerados, mas eu preciso deixar claro o
porquê das críticas externas serem tão pouco relevantes. Se você estiver
apresentando um trabalho com base marxista, de que adianta alguém dizer que não
concorda com a ideia de luta de classes? Se você é analista freudiano, imagine
o absurdo de alguém questionar a existência do superego. Infelizmente, ainda se
ouve muita crítica externa nos debates. Quem a faz, não entendeu que a conversa
acadêmica fica travada se os pressupostos forem discutidos a cada instante. Se
não concordam com as hipóteses básicas, busquem a sua própria turma ou criem a
sua própria brincadeira, com suas próprias regras. Boa sorte, mas não encham o
saco.
Crítica "Por que você não fez o trabalho que eu queria?"
Nesse caso, apesar de muitas vezes ser uma crítica interna,
quem a faz quer que você responda a uma pergunta de pesquisa diferente daquela
que você respondeu (ou tentou responder). Ou seja, quem a faz propõe que você faça
outro trabalho. Nada contra alguém sugerir os próximos passos da pesquisa,
minha bronca reside no tom de crítica. A resposta padrão é: "Obrigado pela
sugestão" e bola para frente.
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