Manual/ Prefácio

Prefácio


Se você é um gênio, este livro não foi escrito para você. Não me leve a mal, mas gênios, gênios mesmo, são reconhecidos mais cedo ou tarde. Se você é superdedicado, um obsessivo, este livro também não foi escrito para você. Quem trabalha como louco, acaba dando certo na vida e não precisa deste manual.
Este livro foi escrito para você, estudante de graduação ou pós-graduação, professor iniciante, interessado na vida acadêmica, mas que não é um gênio, nem é obcecado por estudar. Você que até gosta de estudar, mas nem tanto assim. Você que é dedicado, mas nem tanto assim. Você que quer ter dinheiro, mas não tanto assim. Você pode ter um grande futuro na vida acadêmica.
Quer você tenha sido recém-aprovado no vestibular, quer esteja em busca de um pós-doutorado, você encontrará algo útil nas próximas páginas. O mundo acadêmico é isso mesmo, um mundo. Com suas regras, repúblicas, guerras, línguas e etiquetas próprias. O Manual de Sobrevivência pretende ser seu guia, fazendo com que você evite os piores erros, aproveite as oportunidades e, no fim das contas, até curta o mundo acadêmico.
Por que alguém gostaria de viver no mundo acadêmico? Essa é fácil. A vida na universidade é muito boa. Você tem um horário mais flexível e mais liberdade do que a maior parte da raça humana, não transpira, não tem que aguentar clientes chatos, não corre risco de vida. Além disso, por algum motivo incompreensível, a sociedade confere maior status social aos acadêmicos do que aos padeiros. Vivemos mesmo em um mundo estranho.
Claro que a experiência universitária depende muito da sua posição. Se você é aluno, a vida na universidade renderá uns bons anos com carteirinha de estudante, conhecendo gente levemente mais interessante do que o resto da humanidade e com mais liberdade do que qualquer outro trabalho de verdade. Você terá alguns motivos para reclamar: aulas chatas, provas e o cansaço diário. Mas tudo isso servirá como desculpa para evitar programas de índio e você ainda terá o apoio da sua família. E mais: quando sair da universidade para o mundo real, você ganhará mais do que se tivesse ficado só no trabalho.
Para o professor, a vida é igualmente boa. Onde já se viu ser pago para falar, ler e escrever? Isso mesmo. E você ainda decidirá o que ensinar. Dentro da sala de aula, o show é seu. "E o desafio de encarar os alunos?" ─ ser professor é como ser ator, mas a diferença é que ao invés da plateia avaliar a sua atuação, você avalia o público. Maravilha. Imagine um ator, em um fim de espetáculo, que, ao invés de esperar aplausos, diz: "Ei, você da última fila, explique-me o monólogo de Hamlet que acabei de representar!". Enfim, a vida de professor está entre as melhores formas não previstas no Código Penal de se ganhar a vida.
E quem sou eu para dar conselhos sobre a vida acadêmica aos outros?
Eu fui um ótimo aluno desde a graduação. Era assíduo, nunca matava aula, estudava com bastante antecedência e as provas eram motivo de prazer. Jamais entrei nos bares próximos da faculdade. Na pós-graduação, eu já seguia todos os conselhos deste livro e fui reconhecido como brilhante. Como professor, eu também preparava as aulas já no começo do ano e sempre amei cada instante em sala de aula. Demonstrei especial atenção para os alunos menos interessados e fui compreensivo com os seus problemas. Como pesquisador, sou muito organizado, criativo e dedicado. Minhas contribuições para o conhecimento são relevantes e entraram para a história da Ciência. Sou excepcional!
Como vocês podem imaginar, o parágrafo anterior é uma mentira completa. Os que me conhecem sabem que eu nunca fui um aluno, professor, nem pesquisador exemplar. Na graduação, gastei mais tempo no bar do que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Eu me desesperava nas vésperas de prova. Hoje, estou muito longe de ser um dos melhores pesquisadores da minha área. Tenho todos os defeitos que você pode imaginar e mais alguns que só eu imagino. Cometi (e cometo) os erros que eu alerto e não sigo o que prego nas páginas que se seguem. Sou bem medíocre.
Justamente porque não sou brilhante, tenho as condições para escrever este livro. Um livro de conselhos de futebol do Pelé só serviria a outros pelés. Como não estou no topo, nem na base da cadeia alimentar acadêmica, tenho uma boa visão do conjunto e sei como estudantes ou professores médios se sentem.
A meu favor, eu devo dizer que tenho um tanto de experiência. Desde que eu entrei na universidade, um pouco ante s da chegada da Família Real Portuguesa, até hoje, acabei ganhando algum conhecimento (e perdendo muitos cabelos). Eu já passei por tudo na academia. Fui ótimo e péssimo aluno; fui aprovado e reprovado em concursos; fui de horista a coordenador; fui professor homenageado, mas já reclamaram de mim para a coordenação. No fim das contas, fui professor em umas quatro faculdades particulares, professor ou aluno de cinco universidades federais e pesquisador visitante em quatro instituições estrangeiras. Esse livro foi escrito a partir das notas que eu tomei desde o começo da minha vida acadêmica. Vivi, vi e ouvi muita coisa e é isso que eu passo para você, desocupado leitor.
Confesso que sou economista e toda a minha formação foi com a minha tribo. A minha experiência é parcial (como toda experiência), mas eu tentei sempre conviver com as outras tribos. Conversei com colegas acadêmicos de outras áreas para entender as regras dos demais e ressaltei no texto as maiores divergências.
Antes de começar, aí vão dois avisos:
  • Este livro é composto de generalizações irresponsáveis, feitas por um alguém com uma visão incompleta e distorcida da realidade. Se você se sentir ofendido ou sofrer por seguir um conselho deste livro, eu não sou legalmente responsável.
  • Ninguém importante nas instituições em que estou empregado tem qualquer responsabilidade sobre o que escrevi. As ideias são todas minhas (ou surrupiadas gentilmente de outros).
Por fim, reconheço que o formato do livro, em verbetes de A até Z, é esquisito. Eu poderia ter escrito capítulos para cada uma das fases da vida acadêmica. Contudo muitos dos desafios se repetem ao longo da carreira, e mesmo gente com experiência comete erros de novato. Assim, você pode ir diretamente para o problema que está enfrentando. O livro não é linear; a vida – inclusive a acadêmica – também não. Divirta-se!

Manual de sobrevivência na universidade: da graduação ao pós-doutorado



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